segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Competência pedagógica do Professor Universitário

Necessidade e atualidade do debate sobre competência pedagógica e docência universitária:

Iniciar as reflexões deste livro explicitando a necessidade e a atualidade de se discutir a competência pedagógica e a docência universitária tem seu sentindo segundo as considerações de muitos professores do ensino superior que levando em conta a própria formação e suas experiências profissionais e docentes, concluem que tudo está muito bem: vêem-se como profissionais bem-sucedidos e professores que ensinam bem suas matérias. Então, perguntam por que debater novas exigências na sua ação docente?

É a esta questão primeira que desejo responder apresentando três considerações:

1- Em primeiro lugar refletir sobre a estrutura organizadora do ensino superior no Brasil, que desde seu início (e até hoje...) sempre privilegiou o domínio de conhecimentos e experiências profissionais como únicos requisitos para a docência nos cursos superiores.

O embasamento para tal atitude é tanto o modelo de ensino superior implementado no Brasil (o modelo francês-napoleônico – cursos profissionalizantes) quanto a crença de que “quem sabe, sabe ensinar”.

2- Os cursos superiores e, posteriormente, as faculdades que se criaram e instalaram no Brasil, desde seu início e nas décadas posteriores, se voltaram diretamente para a formação de profissionais que exerceriam determinada profissão. Currículos seriados, programas fechados constando unicamente das disciplinas que interessavam imediata e diretamente ao exercício daquela profissão, procurando formar profissionais competentes em determinada área ou especialidade.

3- Tem-se procurado formar profissionais mediante um processo de ensino em que conhecimentos e experiências profissionais são transmitidos em um professor que sabe e conhece para um aluno que não sabe e não conhece, seguido por uma avaliação que indica se o aluno está apto ou não para exercer determinada profissão. Em caso positivo, recebe o diploma ou certificado de competência que lhe permite o exercício profissional. Em caso negativo, repete o curso.

Quem é esse professor? Inicialmente pessoas formadas pelas universidades européias; mas, logo depois, com o crescimento e a expansão dos cursos superiores, o corpo docente precisou ser ampliado com profissionais das diferentes áreas de conhecimento. Ou seja, os cursos superiores ou as faculdades procuravam profissionais renomados, com sucesso em suas atividades profissionais, e os convidam a ensinarem seus alunos a serem tão bons profissionais como eles o eram. Até a década de 1970, embora já estivessem em funcionamento inúmeras universidades brasileiras e a pesquisa fosse então um investimento em ação, praticamente exigiam-se do candidato a professor de ensino superior o bacharelado e o exercício competente de sua profissão. Na última década, além do bacharelado, as universidades passaram a exigir cursos de especialização na área e atualmente mestrado e doutorado. Donde a presença significativa desses profissionais compondo os corpos docentes de nossas faculdades e universidades. Observe-se, porém, que as exigências continuaram as mesmas, pois se referem ao domínio de conteúdo em determinada matéria e experiência profissional.

Essa situação se fundamenta em uma crença inquestionável até há bem pouco tempo mantida tanto pela Instituição que conviva o profissional a ser professor quanto pelas pessoa convidada a aceitar o convite feito: quem sabe, automaticamente sabe ensinar. Mesmo porque ensinar significava ministrar aulas expositivas ou palestras sobre determinado assunto dominado pelo conferencista, mostrar na prática como se fazia; e isso um profissional saberia fazer.

Só recentemente os professores universitários começaram a se conscientizar de que seu papel de docente do ensino superior, como o exercício de qualquer profissão, exige capacitação própria e específica que não se restringe a ter um diploma de bacharel, ou mesmo de mestre ou doutor, ou ainda apenas o exercício de uma profissão. Exige isso tudo, e competência pedagógica, pois ele é um educador.

Então tem sentido e atualidade debatermos essa temática.

Uma segunda consideração nos coloca diante de uma situação nova que estamos vivendo em nossa sociedade: o impacto da nova revolução tecnológica sobre a produção e socialização do conhecimento e formação de profissionais.

A sociedade brasileira vive, em diversos níveis, o desenvolvimento tecnológico que afeta dois aspectos que são o coração da própria universidade: a população e divulgação do conhecimento e a revisão das carreiras profissionais.

Até recentemente o centro maior de pesquisa, produção de conhecimento e divulgação deste era a própria universidade. A ela todos ocorriam como fonte básica e imprescindível para aquisição, atualização e especialização de informações.

Hoje, sabemos que as funções de produzir e solicitar o conhecimento podem ser realizadas por outras organizações, outros centros, ambientes e espaços tanto públicos como particulares. Hoje podemos pesquisar em nossos computadores domiciliares ou profissionais, nos escritórios, nas empresas, nas ONGs, em casa, assim como podemos nos informar por meio dos canais abertos pela telemática sobre todo e qualquer assunto que desejarmos. Isso vale para nós professores, assim como para nossos alunos e para as pessoas que não estiverem vinculadas a uma instituição escolar.

O papel do professor como apenas repassador de informações atualizadas está no seu limite, uma vez que diariamente estamos sujeitos a ser surpreendidos com informações novas de que dispõem nossos alunos, as quais nem sempre temos oportunidade de ver nos inúmeros sites existentes na Internet.

No âmbito do conhecimento, o ensino superior percebe a necessidade de se abrir para o diálogo com outras fontes de produção de conhecimento e de pesquisa e os professores já se reconhecem como os únicos detentores do saber a ser transmitido, mas como um dos parceiros a quem compete compartilhar seus conhecimentos com outros e mesmo aprender com outros, inclusive com seus próprios alunos. É um novo mundo, uma nova atitude, uma nova perspectiva na relação entre o professor e o aluno no ensino superior.

As carreiras profissionais também estão se revisando com base nas novas exigências que lhe são feitas, em razão de toda essa mudança que vivemos atualmente: formação continuada dos profissionais, bem como novas capacitações, por exemplo, adaptabilidade ao novo, criatividade, autonomia, comunicação, iniciativa, cooperação.

Necessita-se de profissionais intercambiáveis que combinem imaginação e ação; com capacitação para buscar novas informações, saber trabalhar com elas, intercomomunicar-se nacional e internacionalmente por meio dos recursos mais modernos da informática; com capacidade para produzir conhecimento e tecnologia próprios que os coloquem, ao mesmo tempo em alguns setores, numa posição não-dependência em relação a outros países; preparados para desempenhar suas profissões de forma contextualizada e em equipe com profissionais não só de sua área mas também de outras.

São capacidades ainda importantes saber exercer sua profissão voltado para promover o desenvolvimento humano, social, político e econômico do país.

Em virtude dessas considerações, o ensino superior não pode deixar de rever seus currículos de formação dos profissionais, não pode também querer revê-los apenas com a visão dos especialistas da Instituição (os professores). Há necessidade de a universidade sair de si mesmo, arejar-se com o ar da sociedade em mudança e das necessidades da sociedade, e então voltar para discutir com seus especialistas as mudanças curriculares exigidas e compatíveis com seus princípios educacionais.

Algumas linhas se destacam como importantes:



• Formação profissional simultânea com a formação acadêmica, mediante um currículo dinâmico e flexível, que integre teoria e prática, em outra organização curricular que não aquela que acena apenas para o estágio;

• Revitalização da vida acadêmica pelo exercício profissional;

• Desestabilidade dos currículos fechados, acabados e prontos;

• Redimensionamento do significado da presença e das atividades a serem realizadas pelos alunos nos cursos de graduação das faculdades e universidades nos quais diferentes espaços de aprendizagem;

• Ênfase na formação permanente que se inicia nos primeiros anos de faculdade e se prolonga por toda a vida.



Por último, não poderíamos deixar de considerar o apelo da Unesco, em Declaração Mundial sobre Educação Superior no Século XXI, de 1998, para demonstrar a atualidade do debate sobre a competência pedagógica e a docência universitária. Com efeito, a Unesco nos convida a nós docentes do ensino superior a ver a missão da educação superior como:



• “educar e formar pessoas altamente qualificadas, cidadãs e cidadãos responsáveis [...] incluindo capacitações profissionais [...] mediante cursos que se adaptem constantemente às necessidades presentes e futuras da sociedade”;

• “prover oportunidades para a aprendizagem permanente”;

• “contribuir na proteção e consolidação dos valores da sociedade [...] cidadania democrática, [...] perspectivas críticas e independentes, perspectivas humanistas”;

• “implementar a pesquisa em todas as disciplinas [...] a interdisciplinaridade”;

• “reforçar os vínculos entre a educação superior e o mundo do trabalho e os outros setores da sociedade”;

• “novo paradigma de educação superior que tenha seu interesse centrado no estudante [...] o que exigirá a reforma de currículos, utilização de novos e apropriados métodos que permitam ir além do domínio cognitivo das disciplinas”;

• “novos métodos pedagógicos precisam estar associados a novos métodos avaliativos”;

• “criar novos ambientes de aprendizagem, que vão desde os serviços de educação a distância até as instituições e sistemas de educação superior totalmente virtuais”.



Em síntese:

DOCENTES DE EDUCAÇÃO SUPERIOR ATUALMENTE DEVEM ESTAR OCUPADOS SOBRETUDO EM ENSINAR SEUS ESTUDANTES A APRENDER E A TOMAR INICIATIVAS, AO INVÉS DE SEREM UNICAMENTE FONTES DE CONHECIMENTO. DEVEM SER TOMADAS PROVIDÊNDÊNCIAS ADEQUADAS PARA PESQUISAR, ATUALIZAR E MELHORAR AS HABILIDADES PEDAGÓGICAS, POR MEIO DE PROGRAMAS APRIMORANDOS AO DESENVOLVIMENTO DE PESSOAL.



Esse texto da própria carta da Unesco, dirigido diretamente a nós docentes, em meu entender, confirma a necessidade e atualidade do debate sobre a competência pedagógica e docência universitária, que é o objetivo deste livro, não porque o que até aqui aprendemos ou fizemos foi algo de ruim ou pernicioso, mas o mundo se transformou, a sociedade brasileira está imersa em mudanças que afetam, como disse, o próprio coração da universidade (conhecimento e formação de profissionais), trazendo de arrastão nessa evolução a necessidade de modificarmos nosso ensino superior e nossa ação docente nesse mesmo ensino.

Docência Universitária
Com Profissionalismo

A docência universitária, desde seu início até hoje, vem sendo marcada pela formação de profissionais, mesmo nas universidades onde se cultiva a pesquisa.

No primeiro capítulo acenamos para as mudanças que ocorrem no mundo atualmente. Neste segundo capítulo, pretendemos apresentar um panorama das mudanças no ensino superior no século XX e discutir as competências básicas para o exercício da docência universitária.

Percebemos as mudanças no ensino superior em quatro pontos : no processo de ensino, no incentivo à pesquisa, na parceria e co-participação entre professor e aluno no processo de aprendizagem e no perfil docente.

I- No processo de ensino:

De uma preocupação total e exclusivamente voltada para a transmissão de informações e experiências, iniciou-se um processo de buscar o desenvolvimento da aprendizagem dos alunos; de aperfeiçoar sua capacidade de pensar; de dar um significado para aquilo que era estudado, de perceber a relação entre o que o professor tratava em aula e sua atividade profissional; de desenvolver a capacidade de construir seu próprio conhecimento, desde coletar informações até a produção de um texto que revele esse conhecimento.

Superando a formação voltada apenas para o aspecto cognitivo, o que se busca é que o aluno em seus cursos superiores esteja desenvolvendo competências e habilidades que se esperam de um profissional capaz e de um cidadão responsável pelo desenvolvimento de sua comunidade. Isso fez com que os cronogramas curriculares Se abrissem para atividades práticas integrado-se com teorias estudadas e a discussão de valores éticos, sociais, políticos, econômicos, por ocasião do estudo de problemas técnicos, integrando-se à análise teórico-técnica de determinada situação com os valores humanos e ambientais presentes e decorrente da solução técnica apresentada.

II- No incentivo à pesquisa:

Na década de 1930, surge a Universidade de São Paulo (USP) com duas grandes bandeiras em busca de modificar o paradigma dos cursos superiores exigentes: a integração das diferentes áreas do saber e dos conhecimentos, e a produção de pesquisa por parte dos docentes e alunos desses cursos. Não se poderia continuar formando apenas profissionais técnicos e divulgando pesquisas realizadas fora do país. Professores e estudantes desses cursos deveriam se voltar para fazer pesquisa, produzir conhecimento sobre problemas reais e concretos nossos, do Brasil. O contato com pesquisadores internacionais não deverão ser rompido. Mas não poderia se constituir como único contato com a pesquisa.

Essa primeira universidade paulista surge com uma nova proposta: formar o pesquisador, o cidadão e o profissional.

Tal definição trouxe modificações claras quanto à organização curricular. O aluno ingressava não em um curso determinado, mas na universidade – era um aluno universitário no sentido pleno da palavra. Durante os dois primeiros anos ele aprendia a pesquisar, trabalhar intelectualmente, produzir trabalhos científicos acompanhando o professores-pesquisadores de diversas áreas que estudam problemas nacionais. Isso lhe permitiria a realidade brasileira de modo crítico e científico. Depois desse período, o aluno, um pouco mais maduro quanto ao que fazer na universidade e já razoavelmente consciente quanto os problemas nacionais, escolhia uma carreira profissional para nela se formar.

Quanto ao corpo docente : deveria, além de dar aulas, fazer pesquisas, produzir conhecimento, divulgar e discutir com seus pares os estudos feitos. Sua atividade docente básica era orientar os alunos na aprendizagem das atividades científicas de investigação, estudo, elaboração de trabalhos.

A metodologia de estudo : um professor com pequeno número de alunos investigando juntos, discutindo juntos os resultados, produzindo trabalhos juntos; um estudo cooperativo entre professores e alunos.

Com o desmonte dessa estrutura em 1938 por forças extrínsecas e intrínsecas à própria universidade 1 , a preocupação com a formação do aluno do ensino superior não apenas como universitário, mas como cidadão deixou de fazer parte da estrutura curricular formal dos cursos e continuou se fazendo apenas por atividades isoladas de professores em aula, pela existência de movimentos estudantis muito ligados aos movimentos da sociedade civil da época. As questões de cidadania eram trazidas para dentro das universidades pelos centros acadêmicos, pelos teatros universitários, pelos grupos políticos partidários e pelos professores que entendiam ser esta sua missão. Palestras, debates, conferências, mesas-redondas, passeatas entrosam Universidade e Sociedade; continuava não de forma curricular, mas viva a formação do profissional-cidadão.

Essa linha de ação persistiu durante a ditadura provinda de golpe de 64, e mais recentemente vem marcando o debate sobre questões como ecologia, Amazônica, questões éticas e ambientais; analfabetismo, movimento dos sem terra, desemprego, tecnologia e globalização, socialismo, neoliberalismo, opções políticas, nova constituição, nova LDB, e as diferentes reformas em andamento no país.

Quanto à pesquisa, porém, a USP não alterou seu modelo educacional e até hoje se apresenta como um dos maiores centros de pesquisa da América Latina. O incentivo à pesquisa iniciado em 1934 perdura até hoje.

Em 1968, com a Lei nº 5.540 e em décadas posteriores, o em décadas posteriores, o incentivo à criação e ao desenvolvimento de programas de pós-graduação no país também foi um marco no desenvolvimento das atividades de pesquisa no ensino superior. Dessa data em diante multiplica-se os Programas de Pós-Graduação, tanto nas

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1. No cenário nacional e Estado Novo de Getúlio Vargas (1937); São Paulo marcado com a revolução Constitucionalista (1932); a sociedade, representada pelas famílias e seus filhos, alunos da universidade exigindo só uma formação técnica; parte dos docentes da própria universidade, sem interesse e tempo para pesquisar, desejava apenas ministrar suas aulas.

Universidades públicas como nas particulares, o número de pesquisas que se transformam em dissertações e teses teve uma progressão geométrica e a relevâcia social destas, além de aspecto científico, se consolidou.

Para esses resultados muito contribuíram as Agências Financiadoras (Capes, CNPq, Fapesp, Finepe e as diversas Organizações Internacionais) com bolsas-pesquisas para estudantes e professores no país e no exterior. Hoje é significativo o número de mestres, doutores, pesquisadores e pós-doutores brasileiros.

Mas a nossa próxima pergunta é esta: será que este incentivo à pesquisa fez sentir seus efeitos nos cursos de graduação? Não de forma tão extensa, nem há tanto tempo como na pós-graduação, mas, mais recentemente, os cursos de graduação vêm-se dedicando a valorizar a pesquisa mediante, principalmente, três caminhos: o desenvolvimento do ensino com pesquisa, do ensino por projetos e da introdução das tecnologias de informação e comunicação (informática e telemática) como formas de estudo e aprendizagem e não apenas como meio de se modernizar a transmissão de informações.



III- Na parceria e co-parceria entre professor e aluno no processo de aprendizagem:

Embora essa mudança se apresenta de forma iniciante, pois na grande maioria das situações ainda encontramos o professor no papel de transmissor de informações, e mesmo atuando só com aulas expositivas, um razoável número de docentes tem-se preocupado em chamar o aluno para se envolver com a matéria que está sendo estudada.

Essa atitude tem a ver com a compreensão mais abrangente do processo de aprendizagem e com sua valorização no ensino superior, com a ênfase dada ao aprendiz como sujeito do processo, com o incentivo à pesquisa na graduação e com as mudanças na forma de comunicação. A docência existe para que o aluno aprenda.

Com efeito, se entendemos que, no ensino superior, a ênfase deva ser dada às ações do aluno para que ele possa aprender o que se propõe; que a aprendizagem desejada engloba, além dos conhecimentos necessários, habilidades e análise e desenvolvimento de valores, não há como se promover essa aprendizagem sem a participação e parceria dos próprios aprendizes. Aliás, só eles poderão “aprender”. Ninguém aprenderá por eles.

Incentivar essa participação resulta em uma motivação e interesse do aluno pela matéria, e dinamização nas relações entre aluno e professores facilitando a comunicação entre ambos. O aluno começa a ver no professor um aliado para sua formação, e não um obstáculo, e sente-se igualmente responsável por aprender. Ele passa a se considerar o sujeito do processo.

Trabalhar com pesquisa, projetos e novas tecnologia, como comentado, são caminhos interessantes que, ao mesmo tempo que incentivam a pesquisa, facilitam o desenvolvimento da parceria e co-participação entre professor e aluno.



IV- O quarto ponto de mudança que percebemos no ensino superior, no século XX, diz respeito ao perfil do professor:

O conjunto das mudanças citadas anteriormente fez com que o perfil do professor se alterasse significativamente de especialista para mediador de aprendizagem.

Não se quer com isso dizer que se começa a exigir menos do professor quanto ao domínio de determinada área de conhecimento em que ele funciona. Ao contrário, exige-se dele pesquisa e produção de conhecimento, além de atualização para que possa incentivar seus alunos a pesquisa. Como poderia o docente motivar o aluno a se iniciar na pesquisa, se ele mesmo – professor – não pesquisar e não valorizar a pesquisa? O aprendiz exige profunda coerência entre o que o seu professor exige e o que faz.

A mudança está na transformação do cenário do ensino, em que o professor está em foco, para um cenário de aprendizagem, em que o aprendiz (professor-aluno) ocupa o centro e em que professor e aluno se tornam parceiros e co-participantes do mesmo processo.

A atitude do professor está mudando: de um especialista que ensina para profissional da aprendizagem que incentiva e motiva o aprendiz, que se apresenta com a disposição de ser uma ponte entre o aprendiz e sua aprendizagem – não uma ponte estática, mas uma ponte “rolante”, que ativamente colabora para que o aprendiz chegue a seus objetivos.

Tal atitude o leva a explorar com seus alunos novos ambientes de aprendizagem, tanto ambientes profissionais como virtuais (através da Internet), a dominar o uso das tecnologias de informação e comunicação, a valorizar o processo coletivo de aprendizagem(o aluno aprender não apenas com o professor e por intermédio dele, mas com os colegas, com outros professores e especialistas, com profissionais não acadêmicos) e a repensar e reorganizar o processo de avaliação, agora voltado para aprendizagem, como elemento motivador, com feedback contínuo oferecendo informações para que o aluno supere suas dificuldades e aprenda ainda durante o tempo em que freqüenta nossa matéria.

Essas mudanças no ensino superior puseram a descoberta as competências básicas e necessárias para se realizar a docência.

No Brasil, cerca de duas décadas atrás, iniciou-se uma autocrítica por parte de diversos membros participantes do ensino superior, principalmente de professores, sobre a atividade docente, percebendo nela um valor e um significado até então não considerados.

Começou-se a perceber que assim como para a pesquisa se exigia desenvolvimento de competências próprias, e a pós-graduação buscou resolver esse problema, a docência no ensino superior também exigia competências próprias que desenvolvidas trariam àquela atividade uma conotação de profissionalismo e superaria a situação até então muito em contradição de se ensinar “por boa vontade”, buscando apenas certa consideração pelo título de “professor de universidade”, ou apenas para “complementação salarial”, ou ainda somente para se “fazer alguma coisa no tempo que restasse do exercício da outra profissão”.

Começou-se então a discutir e procurar identificar quais seriam essas competências específicas para uma docência no ensino superior.

O primeiro ponto a se definir se referia exatamente à concepção de competência. Preferimos optar pela descrição de Perrenoud, segundo a qual “atualmente define-se uma competência como a aptidão para enfrentar um conjunto de situações análogas, mobilizando de uma forma correta, rápida, pertinente a criativa, múltiplos recursos cognitivos: saberes, capacidades, microcompotências, informações, valores, atitudes, esquemas de percepção, de avaliação e de raciocínio” (Perrenoud e Thurler 2002:19). É uma definição que insiste em deixar claro que competência sempre tem a ver com uma série de aspectos que se apresentam e se desenvolvem conjuntamente: saberes, conhecimentos, valores, atitudes, habilidades.

Assim, entendemos que as competências básicas para o ensino superior são:



IV.a. A docência em nível de ensino superior do professor, exige antes de mais nada que ele seja competente em determinada área de conhecimento:

Essa competência significa, em primeiro lugar, um domínio dos conhecimentos básicos em determinada área, bem como experiência profissional de campo, domínio este se adquire, em geral, por meio de cursos de bacharelado que se realizam nas universidades e/ou faculdades e alguns anos de exercício profissional.

No entanto, esse domínio cognitivo é muito pouco. Exige-se de quem pretende lecionar que seus conhecimentos e suas práticas profissionais sejam atualizados constantemente por intermédio de participações em cursos de aperfeiçoamento, especializações; em congressos e simpósios; em intercâmbios com especialistas etc.

Exige-se ainda de um professor que domine uma área de conhecimento específico mediante pesquisa . É importante nos darmos conta de que o termo “pesquisa” abrange diversos níveis.

Dizemos tratar-se de pesquisa aquela atividade que o professor realiza mediante estudos e reflexões críticas sobre temas teóricos ou experiências pessoais reorganizadando seus conhecimentos, reconstruindo-os, dando-lhes novo significado, produzindo textos e “papers” que representem sua contribuição ao assunto e que possam ser lidos e discutidos por seus alunos e seus pares.

Entendemos por pesquisa os trabalhos específicos preparados pelos professores para serem apresentados em congressos e simpósios, explorando aspectos teóricos, ou relatando criticamente suas experiências pessoais na área profissional ou de ensino, ou discutindo novos aspectos de algum assunto mais atual. Entendemos por pesquisa a redação de capítulos de livros, artigos para revistas especializadas, etc.

Docentes em fase de mestrado ou doutorado também realizam pesquisas, que certamente serão incorporadas à sua docência.

Sem dúvida, ainda temos o nível de pesquisa que envolve projetos menores ou maiores, por vezes gigantescos, mas que estão voltados para a produção de conhecimentos novos, inéditos, ou produção de tecnologias de ponta que envolvem recursos e apoios de agências financeiras nacionais e/ou estrangeiras. Essa produção científica também enriquecerá o domínio de conhecimento que se espera de um docente de ensino superior.

Nessa área de competência já entrevemos o nível de conhecimento que se pretende de um docente que almeje de fato participar de processo de ensino-aprendizagem com profissionalismo.



IV.b. A docência em nível superior exige um professor com domínio na área pedagógica:

Em geral, esse é o ponto mais carente de nossos professores universitários, quando vamos falar em profissionalismo na docência. Seja porque nunca tiveram oportunidade de entrar em contato com essa área, ou seja porque vêem-na como algo supérfluo ou desnecessário para sua atividade de ensino.

No entanto, dificilmente poderemos falar de profissionais do processo de ensino-aprendizagem que não dominem, no mínimo, quatro grandes eixos do mesmo: o próprio conceito de ensino-aprendizagem, o professor como conceptor e gestor do currículo, a compreensão de relação professor-aluno e aluno-aluno no processo, e a teoria e prática básica da tecnologia educacional.



1. Processo de ensino-aprendizagem:

Como já dissemos, o objetivo máximo de nossa docência é a aprendizagem de nossos alunos. Donde a importância de o professor ter clareza sobre o que significa aprender, quais são seus princípios básicos, o que se deve aprender atualmente, como aprender de modo significativo, de tal forma que a aprendizagem se faça com maior eficácia e maior fixação, quais as teorias que hoje discutem a aprendizagem e com que pressupostos, como se aprende no ensino superior, quais os princípios básicos de uma aprendizagem de pessoas adultas e que estejam valendo para alunos de ensino superior, como integrar no processo de aprendizagem e desenvolvimento cognitivo, afetivo-emocional, de habilidades e a formação de atitudes? Como aprender a aprender permanentemente?

Em geral, nos preocupamos com que nossos alunos aprendam conhecimentos, informações, se desenvolvam intelectualmente, pouco nos importando com o desenvolvimento de suas habilidades humanas e profissionais e de seus valores de profissionais e cidadãos comprometidos com os problemas e a evolução de sua sociedade.



1. O professor como conceptor e gestor de currículo:

Em nossa realidade é muito freqüente o professor lecionar uma, duas ou três disciplinas em determinado curso de forma mais ou menos independente, desenvolvendo-se um tanto isoladamente, sem fazer relações explícitas com outras disciplinas do mesmo currículo, ou com as necessidades primeiras do exercício de determinada profissão. Às vezes por achar que o aluno já conhece muito bem a importância de sua disciplina para sua profissão; por vezes porque o mesmo professor desconhece as relações entre sua disciplina e o restante do currículo, uma vez que não participou da elaboração deste ou o desconhece em sua totalidade. Ele foi contratado apenas para lecionar aquela matéria.

É fundamental que o docente perceba que o currículo de formação de um profissional abrange o desenvolvimento de área cognitiva quanto à aquisição, elaboração e organização de informações, ao acesso ao conhecimento existente, à produção de conhecimento, à reconstrução do próprio conhecimento, quanto à identificação de diferentes pontos de vista sobre o mesmo assunto, à imaginação, à criatividade, à solução de problemas...

O currículo abrange também aprendizagem de habilidades, por exemplo, aprender a trabalhar em equipe, e em equipe multidisciplinar; comunicar-se com os colegas e com pessoas de fora do seu ambiente universitário; fazer relatórios em bibliotecas, hemerotecas, videotecas; como usar o computador para as atividades acadêmicas e profissionais, etc.

O currículo estará preocupado ainda com a valorização do conhecimento e sua atualização, com a pesquisa, a crítica, a cooperação, os aspectos éticos do exercício da profissão, os valores sociais, culturais, políticos e econômicos, a participação na sociedade e o compromisso com sua evolução.

Esse currículo se realiza fundamentalmente pelas disciplinas e atividades previstas, e que são cursadas pelos alunos juntamente com os professores. Donde a necessidade de o professor perceber cada vez mais a ligação que pode haver entre sua disciplina e as demais do mesmo curso. Como poderão interagir? A interdisciplinaridade é uma utopia? E as possibilidades de se organizar um currículo que abra espaços para coisas novas, emergentes e atuais?



1. A relação professor-aluno e aluno-aluno no processo de aprendizagem:

Como assumir uma atividade de docência sem se aprofundar no conhecimento de seus alunos e na prática de uma relação que colabore com eles em sua aprendizagem? O papel um tanto tradicional do professor que transmite informações e conhecimentos a seus alunos necessita de uma revisão.

Precisamos de um professor com um papel de orientador das atividades que permitirão ao aluno aprender, que seja um elemento motivador e incentivador do desenvolvimento de seus alunos, que esteja atento para mostrar os processos deles, bem como corrigi-los quando necessário, mas durante o curso, com tempo de seus aprendizes poderem aprender no decorrer dos próximos encontros ou aulas que tiverem.

Um professor que forme com seus alunos um grupo de trabalho com objetivos comuns, que incentive a aprendizagem de uns com os outros, que estimule o trabalho em equipe, a busca de solução para problemas em parcerias, que acredite na capacidade de seus alunos aprenderem com seus colegas, o que muitas vezes é mais fácil do que aprender com o próprio professor. Um docente que seja um motivador para o aluno realizar as pesquisas e os relatórios, que crie condições contínuas de feedback entre aluno-professor e aluno-aluno.

É importante que o professor desenvolva uma atitude de parceria e co-responsabilidade com os alunos planejando o curso juntos, usando técnicas em sala de aula que facilitem a participação e considerando os seus alunos adultos que podem se co-responsabilizar por seu período de formação profissional.

É fundamental que nossos professores entendam, discutam e busquem uma forma de realizar na prática esse tipo de relação.



1. Domínio de tecnologia educacional:

O quarto e último eixo do processo de ensino-aprendizagem, importante para que um professor atue como profissional na docência, diz respeito ao domínio de tecnologia educacional, em sua teoria e em sua prática.

Se houve tempos em que se pensou que a tecnologia resolveria todos os problemas de educação, e outros em que se negou totalmente qualquer validade para essa mesma tecnologia, dizendo-se ser suficientemente o professor dominar um conteúdo e transmiti-lo aos alunos, hoje nos encontramos em uma situação que defende a necessidade de sermos eficientes e eficazes no processo de aprendizagem: queremos que nossos objetivos sejam atingidos de forma mais completa e adequada possível, e para isso não podemos abrir mão da ajuda de uma tecnologia pertinente.

Uso de diferentes dinâmicas de grupo, de estratégias participativas, de técnicas que colocam o aluno em contato com a realidade ou a simulam; aplicação de técnicas que “quebram o gelo” no relacionamento grupal e criam um clima favorável de aprendizagem ou utilizam o ensino com pesquisa, ou exploram e valorizam leituras significativas e o desempenho de papeis; uso de técnica de planejamento em parceria tornam nosso processo de ensino-aprendizagem mais eficiente e mais eficaz. Atualmente, às mais de cem técnicas de aula existentes e aplicadas juntam-se as novas tecnologias de informação e comunicação relacionadas com informática e a telemática, seja como apoio ou processo de ensino-aprendizagem presencial, seja num processo de educação a distância, na pesquisa.



IV.c. O exercício da dimensão política é imprescindível no exercício da docência universitária:



O professor ao entrar na sala de aula para ensinar uma disciplina não deixa de ser um cidadão, alguém que faz parte de um povo, de uma ação, que se encontra em um processo histórico e dialético, participando da construção da vida e da história de seu povo.

Ele tem uma visão de homem, de mundo, de sociedade, de cultura, de educação que dirige suas opções e suas ações mais ou menos conscientemente. Ele é um cidadão, um “político”, alguém compromissado com seu tempo, sua civilização e sua comunidade, e isso não se desprega de sua pele no instante em que entra em sala de aula. Pode até querer omitir tal aspecto em nome da ciência que ele deve transmitir. Talvez, ingenuamente, entenda que possa fazê-lo de uma forma neutra. Mas o professor continua cidadão e político; e como profissional de docência não poderá deixar de sê-lo.

Como cidadão, o professor estará aberto para que se passa na sociedade, fora da universidade ou faculdade, suas transformações, evoluções, mudanças; atento para as novas formas de participação, as novas pesquisas, os novos valores emergentes, as novas descobertas, novas proposições visando inclusive abrir espaço para discussão e debate com seus alunos sobre tais aspectos na medida em que aferem a formação e o exercício profissionais.

A reflexão crítica e sua adaptação ao novo de forma criteriosa são fundamentais para o professor compreender como se pratica e como se vive a cidadania nos tempos atuais, buscando formas de inserir esses aspectos em suas aulas, tratando dos diversos temas, selecionados textos de leitura, escolhendo estratégias que, ao mesmo tempo, permitam ao aluno adquirir informações, reconstruir seu relacionamento, debater aspectos cidadãos que envolvam o assunto, e manifestar suas opiniões a respeito disso. Conciliar o técnico com o ético na vida profissional é fundamental tanto para o professor quanto para o aluno.

Mesmo com as disciplinas chamadas teóricas, conhecer a história da ciência, saber como se formou o pensamento científico, o tempo cultural e social em que ele se consolidou, suas utilizações durante a história dos homens, suas possíveis aplicações hoje, são modos de se educar politicamente os cidadãos.

E quando se trata de formar profissionais na universidade, como tratamos esse assunto politicamente? Hoje nenhum professor espera que seus alunos iniciantes de um curso universitário, cuja atividade profissional plena se dará por volta de 2010 ou 2015, venham a exercer profissões como os mais competentes o fazem atualmente. Como serão essas atividades profissionais? Não sugiro que nossos professores tenham bola de cristal para responder, mas estou apelando para a necessidade de estarmos atentos para que os que se passa hoje no campo das profissões, para suas mudanças, para a velocidade dessas transformações, para os novos perfis profissionais que estão se desenhando, para as novas exigências de uma era com novos recursos tecnológicos e propostas de globalização, juntamente com o grande problema do desemprego das massas não qualificadas.

Como enfrentamos em nossas aulas discussões que abordam temas tais como desemprego, a não-qualificação de mão-de-obra, a empregabilidade, a formação dos novos profissionais nas e pelas empresas? Não defendemos que a universidade deve se submeter às exigências do mercado de trabalho, uma vez que ela, como Instituição Educadora, tem seus próprios objetivos e autonomia para encaminhá-los. Entretanto, não poderá se fechar dentro de si mesma e dessa posição definir o que será melhor para a formação de um profissional de hoje e para os próximos anos. Terá de abrir bem os olhos, ver muito claramente o que está se passando na sociedade contemporânea. Analisar seus objetivos educacionais e então encaminhar propostas que façam sentido para os tempos atuais. Nossos alunos precisam discutir conosco, seus professores, os aspectos políticos de sua profissão e de seu exercício na sociedade, para nela saberem se posicionar como cidadãos e profissionais.

Num momento em que vários autores escrevem sobre competência para a docência, cada um deles apresentando um elenco diferente, e certamente complementar, dessas mesmas competências, constato que as indicadas acima podem se constituir como o que de mais fundamental se necessita dos professores para o exercício com profissionalismo de sua atividade docente.

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