sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Formação didático-pedagógica do professor universitário: uma necessidade?

anius Paiva Zaiden Silva Orientado Por Consuelo Campos Monteiro

Este artigo apresenta um estudo sobre Formação Didático-Pedagógica do Professor Universitário, descrevendo suas definições, formação, mudanças, métodos, entre outros.

Resumo

Este trabalho tem como objetivo apresentar um estudo sobre Formação Didático-Pedagógica do Professor Universitário, descrevendo suas definições, formação, mudanças, métodos, entre outros. Palavras-chaves: Didático-Pedagógica; Professor Universitário.

Abstract

This work has as objective to present a study on Pedagogical-Didatic Formation of the University Teacher, describing its definitions, formation, changes, methods, among others.

Key-words: Pedagogical-Didatic Formation, University Teacher .

1 - Introdução

Quando se fala em “formação de professores”, vem-nos à cabeça o processo de formação para a docência na educação básica (ensino fundamental e, no máximo, médio). Dificilmente a abordagem de formação de professores estende-se para a formação de professores universitários, como se a formação específica para o magistério nesse nível fosse algo supérfluo, ou mesmo, desnecessário.

No entanto, uma das críticas mais comuns dirigidas aos cursos superiores diz respeito à didática dos professores universitários, ou seria melhor dizer, à falta dela. Tal fato pode ser constatado tanto através da literatura específica da área, como através de conversas com alunos em diferentes tipos de instituição e em diferentes cursos.

Relatos de que o professor sabe a matéria, porém não sabe como transmiti-la ao aluno, de que não sabe como conduzir a aula, não se importa com o aluno, é distante, por vezes arrogante, ou que não se preocupa com a docência, priorizando seus trabalhos de pesquisa, são tão freqüentes que parecem fazer parte da “natureza”, ou da “cultura”, de qualquer instituição de ensino superior.

Ao mesmo tempo, amplia-se cada vez mais a exigência de que os professores universitários obtenham os títulos de mestre ou doutor. No entanto, é questionável se esta titulação, do modo como vem sendo realizada, possa contribuir efetivamente para a melhoria da qualidade didática no ensino superior.

Os programas de pós-graduação, de maneira geral, tendem a priorizar em suas atividades a condução de pesquisas, tornando-se responsáveis, mesmo que não intencionalmente, por reproduzir e perpetuar a crença de que para ser professor basta conhecer a fundo determinado conteúdo ou, no caso específico do ensino superior, ser um bom pesquisador.

Numa breve retrospectiva da história das universidades – de maneira geral e, mais especificamente, das brasileiras –, é possível observar que a formação exigida do professor universitário tem sido restrita ao conhecimento aprofundado da disciplina a ser ensinada, sendo este conhecimento prático (decorrente do exercício profissional) ou teórico/epistemológico (decorrente do exercício acadêmico). Pouco, ou nada, tem sido exigido em termos pedagógicos.

Acreditamos que possam existir pelo menos três fatores contribuindo para que, na cultura universitária, a tarefa de ensinar – e conseqüentemente a formação pedagógica dos professores – sejam relegadas a segundo plano.

Em primeiro lugar, a formação para a docência universitária constituiu-se historicamente como uma atividade menor. Inicialmente, havia a preocupação com o bom desempenho profissional, e o treinamento profissional, acreditava-se, poderia ser dado por qualquer um que soubesse realizar bem determinado ofício. Acreditava-se (como alguns ainda hoje acreditam) que “quem soubesse fazer, saberia automaticamente ensinar”, não havendo preocupações mais profundas com a necessidade do preparo pedagógico do professor (MASETTO, 1998, p. 11).

Posteriormente, com a crescente aproximação das universidades do modelo humboldtiano, voltado à produção de conhecimentos, a preocupação com a formação de professores para o magistério superior centrou-se na preparação para a condução de pesquisas e, da mesma maneira, o pedagógico continuou a ser negligenciado, como se as atividades realizadas com os alunos de graduação não se configurassem como produção de conhecimento, mas, simplesmente, repetição do que já havia sido realizado por outros.

Em segundo lugar, também decorrência dessa ênfase na condução de pesquisas, os critérios de avaliação de produtividade e qualidade docente concentram-se, hoje, na produção acadêmica destes professores. Ou seja, ensino e pesquisa passam a ser atividades concorrentes, e como os critérios de avaliação premiam apenas a segunda, uma cultura de desprestígio à docência acaba sendo alimentada no meio acadêmico, comprometendo, como ressalta Pimentel (1993, p. 89), a almejada indissociabilidade ensino-pesquisa-extensão.

É possível, portanto, concluir que a prática usual nas universidades concorre para esta desvalorização do ensino, transmitindo em sua cultura valores díspares para as duas atividades (ensino e pesquisa).

Finalmente, observamos a inexistência de amparo legal que estimule a formação pedagógica dos professores universitários.

A título de exemplo, é válido mencionar que a legislação brasileira sobre educação, mais especificamente a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) é omissa em relação à formação pedagógica do professor universitário. Num acompanhamento detalhado dos diversos momentos de discussão da LDB (cf. SAVIANI, 1998, p. 144), é possível observar-se que na proposta inicial do então senador Darcy Ribeiro, a preocupação com a formação pedagógica dos professores universitários era contemplada:

art. 74 – A preparação para o exercício do magistério superior se faz, em nível de pós-graduação, em programas de mestrado e doutorado, acompanhados da respectiva formação didático-pedagógica, inclusive de modo a capacitar o uso das modernas tecnologias do ensino.

No entanto, num processo de “enxugamento” do texto da LDB – além, é claro, das pressões feitas por diversos setores da sociedade cujos interesses podem ser contrariados com a exigência de maior capacitação docente –, omitiu-se do texto final a necessidade de formação pedagógica do professor universitário, configurando-se o texto final como segue: “Art. 66 - A preparação para o exercício do magistério superior far-se-á em nível de pós-graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado.”.

Assim, não encontrando amparo na legislação maior, a formação pedagógica dos professores universitários fica a cargo dos regimentos de cada instituição responsável pelo oferecimento de cursos de pós-graduação, refletindo, e ao mesmo tempo regulamentando, a crença na não necessidade de que esta formação seja oferecida.

2 – Formação Pedagógica do professor universitário: uma necessidade

Como mencionamos, a formação do docente universitário tem se concentrado na sua crescente especialização dentro de uma área do saber. De acordo com Vasconcelos (1998, p. 86), há “pouca preocupação com o tema da formação pedagógica de mestres e doutores oriundos dos diversos cursos de pós-graduação do país. A graduação tem sido ‘alimentada’ por docentes titulados, porém, sem a menor competência pedagógica”. Tal constatação nos leva a um questionamento acerca da correlação entre a crescente especialização oferecida pelos cursos de pós-graduação e a melhoria da qualidade docente dos professores universitários.

Marcelo García (1999, p. 244), fazendo referência a trabalhos realizados por Aparício e Felman, ressalta que, em diversas investigações, a correlação encontrada entre a produção científica dos professores e a avaliação que seus alunos fazem deles tem sido muito baixa (em torno de 0,21), concluindo as relações entre produtividade científica e eficácia docente são escassas, ou como refere Felman (1987, apud Marcelo García, 1999), são essencialmente independentes uma da outra.

A esse respeito, Pimenta e Anastasiou (2002, p. 190-196) observam que a formação atualmente oferecida aos pós -graduandos separa-os de qualquer discussão sobre o pedagógico, desconsiderando, inclusive, que os elementos-chave do processo de pesquisa (sujeitos envolvidos, tempo, conhecimento, resultados e métodos) não são os mesmos necessários à atividade de ensinar, e elaboram uma comparação entre as características dos elementos constituintes de cada atividade.

Quadro 1 - Elementos constituintes das atividades de pesquisa e ensino, segundo Pimenta e Anastasiou(2002, p 190-196)


Pesquisa

Ensino

Sujeitos envolvidos

Em geral o trabalho é realizado individualmente; pode haver momentos de trabalho em grupo, mas o pós-graduando, em geral, trabalha apenas ligado ao seu orientador. O professor está constantemente envolvido com outros sujeitos: seus pares institucionais (chefias e colegas docentes), alunos, comunidade, etc.

Tempo

Habitualmente é previsto em blocos, conforme o projeto, e comporta alterações justificadas, submetendo-se dessa forma, a certa flexibilidade. O processo de ensino em geral tem de se adequar ao peŕiodo letivo, não havendo flexibilidade, constituindo em um permanente desafio a adequação temporal dos cronogramas curriculares.

Resultados obtidos

Os resultados dize, respeito aos conhecimentos gerados sobre o tema proposto após o término da pesquisa, que podem levar à confirmação da teoria existente ou à revisão total ou parcial do referencial científico existente. O ensino deve proporcionar novas elaborações e novas sínteses aos professores e aos alunos, apliando a herança cultural e propiciando ao aluno uma apreensão qualitativamente superior dos quadros teóricos e da própria realidade.

Conhecimentos

Os conhecimentos constituem-se em sínteses provisórias geradoras de novas propostas de trabalho. Trata-se, em geral, do trabalho com o conhecimento já existente e sistematizado, a ser "apropriado" pelo aluno sob a orientação do professor.

Método

È definido ao se propor o problema, tendo em vista a estreita relação entre objetivo, o campo do conhecimento e a metodologia a ser trabalhada. Depende, inicialmente, da visão de ciência, de conhecimento e de saber escolar do professor.

Considerando as diferenças entre as atividades de pesquisar e ensinar, as autoras concluem que não seja difícil compreender por que ser um reconhecido pesquisador, produzindo acréscimos significativos aos quadros teóricos existentes, não é garantia de excelência no desempenho pedagógico e, conseqüentemente, por que os programas de pós-graduação não oferecem, necessariamente, melhoria na qualidade docente: como a pesquisa e a produção de conhecimentos são objetivos da pós-graduação, os docentes, quando participam desses programas, sistematizam e desenvolvem habilidades próprias ao método de pesquisa, deixando de lado o desenvolvimento das características necessárias para o desenvolvimento do ensino.

Assim, podemos perceber que os cursos de formação, quando voltados exclusivamente para a realização de pesquisas, não atendem às necessidades específicas dos professores no tocante a suas atividades de docência. Ou seja, a qualificação oferecida pelos cursos de pós-graduação, como atualmente estruturados, possibilitam aos professores a titulação, porém, a maior titulação não significa, necessariamente, melhoria na qualidade docente.

É válido ressaltar que os próprios pós-graduandos criticam o despreparo pedagógico com que iniciam seu trabalho em sala de aula, como levantado por Macedo, Paula e Torres (1998, p.1). Ainda a respeito da falta de preparo pedagógico dos futuros professores universitários, Kennedy (1997) introduz uma observação bastante interessante. Segundo o autor, a vasta maioria dos doutorados acadêmicos são produzidos em universidades, mas grande parte dos professores nelas formados irá lecionar em instituições de ensino superior bastante diferentes daquelas onde foram titulados. Dessa forma, “chegam ao trabalho com poucas noções sobre como realizar a transição de aprendiz experiente para professor novato, ou mesmo sobre o que é esperado deles como profissionais” (p. 30).

Embora Kennedy esteja se referindo à situação das instituições de ensino superior americanas, o que ocorre no Brasil não é diferente. Aqui, também, grande parte dos professores universitários é titulada em universidades, prioritariamente em instituições públicas (estaduais ou federais), pelas quais não serão necessariamente contratados. Assim, embora muitos professores sejam formados, ou titulados, em instituições universitárias, com tradição em pesquisa, o mercado de trabalho que para eles se abre é, muitas vezes, em instituições não-universitárias, com tradição em ensino.

Tendo em vista as recentes políticas de expansão e flexibilização do sistema de ensino superior brasileiro, essa situação de diferenciação entre instituições voltadas predominantemente ao ensino ou à pesquisa, e conseqüentemente a discrepância entre a formação oferecida ao pós-graduando e as tarefas a serem exercidas em sua futura atuação como professor, torna-se mais acentuada.

O Brasil tem vivenciado um período de diversas alterações no sistema de ensino superior, que englobam, além do crescimento destacado anteriormente, a expansão e flexibilização do sistema, mudanças na estrutura curricular (diretrizes curriculares), alterações nos critérios de ingresso nas IES, exigência de titulação do corpo docente, processos sistemáticos de avaliação, tanto em âmbito institucional como nacional, entre outros indicadores, muitos dos quais decorrentes da introdução de novas tecnologias na educação.

Esse processo, no entanto, não tem se dado de modo proporcional entre os diferentes tipos de instituição existentes no país, havendo uma diferenciação cada vez maior entre os programas que incentivam a pesquisa e programas que priorizam o ensino (Gamboa, 1999; Saviani, 1998).

Como observado por Pimenta e Anastasiou (2002, p. 141), as oportunidades de emprego vêm aumentando com a expansão das instituições particulares de ensino em todo o território nacional, o que pode ser observado por uma análise dos dados estatísticos divulgados recentemente pelo MEC/INEP (Pachane, 2003), expansão esta que não é acompanhada de um processo de profissionalização, nem inicial nem continuada (PIMENTA e ANASTASIOU, 2002, p. 128-129).

Para as autoras, o conhecimento deste sistema é de extrema importância pois as condições de trabalho dos professores são bastante diversas entre os diferentes tipos de IES brasileiras e, dependendo do tipo de instituição ao qual o professor se vincula, um tipo de produção diferente será exigido dele, seja ela relativa a atividades de docência, de extensão ou pesquisa, cabendo lembrar que a docência estará presente em todos.

A este movimento de expansão desigual entre os diferentes tipos de IES brasileiras alia-se outro: o processo de flexibilização do sistema (diversificação da oferta), diferenciação que tende a se aprofundar, refletindo a adequação do sistema em face do crescimento da demanda e dos novos perfis profissionais exigidos pelo mercado. Aponta-se, hoje, para a necessidade de criação de cursos mais curtos e/ou voltados a novas especialidades, sejam elas decorrentes de abordagens interdisciplinares, do avanço da ciência e da tecnologia, da flexibilização dos campos do saber ou das necessidades criadas pelo gerenciamento de sistemas de novas tecnologias. Questiona-se, inclusive, qual a formação que o ensino superior deve oferecer e a quais interesses deve atender.

Paralelamente a estas mudanças, o sistema educacional tem observado um movimento no sentidode democratização do acesso ao ensino superior, como é possível de ser observado nos resultados do Censo da Educação Superior.

A expansão do número de vagas, e a conseqüente ampliação do acesso ao ensino superior, proporciona uma maior heterogeneidade do público que se dirige às instituições de ensino superior. Este abre-se a parcelas da população a quem a possibilidade de graduação era, anteriormente, dificultada.

Hoje, portanto, é necessário ao professor saber lidar com uma diversidade cultural que antes não existia no ensino superior, decorrente do ingresso de um público cada vez mais heterogêneo. Um público que pode, por um lado, não estar tão bem preparado, tanto emocional quanto intelectualmente, para o ingresso no ensino superior; um público talvez mais jovem, mais imaturo, e, por vezes, pouco motivado e comprometido com sua aprendizagem, tendo em vista que o ensino superior hoje não é mais garantia de um emprego estável no futuro, mas um público que pode, por outro lado, ser muito mais exigente quanto à qualidade do curso oferecido, tendo em vista especialmente o alto grau de competitividade do mercado de trabalho (MILLAR, 1996, BRIDGES, 1995; SANTOS, 1997; RIBEIRO JÚNIOR, 2002).

Além disso, os professores passam a ter necessidade de aprender a lidar com turmas cada vez mais numerosas, pois a baixa correlação do número de alunos por professor, antes tomada como índice de qualidade de um curso, hoje passa a identificar a “ineficiência do sistema”.

É necessário destacar também que o ensino superior, por muito tempo considerado ponto terminal da educação e voltado à formação profissional, tem agora para si outras funções e, dependendo do ponto de vista que adotarmos, configura-se apenas como um primeiro passo rumo a um processo de “lifelong learning” (educação permanente), fenômeno que vem ocorrendo não apenas no Brasil.

Tais constatações nos levam a uma preocupação em relação à formação dos professores para atuar no ensino superior e que culminam nos questionamentos propostos por Morosini (2000, p. 11): “quem são (serão) esses novos professores? Estarão preparados didaticamente?”.

Atualmente, a preocupação com a aferição da eficiência do sistema educativo, seja através do sistema nacional de avaliação ou de programas de avaliação institucional, começa a desvelar as precariedades e os pontos positivos da área e por influenciar, direta ou indiretamente, o trabalho dos professores.

Como destaca Morosini (2000, p. 13), embora o sistema nacional de avaliação não estabeleça normas de capacitação didática do docente, há uma íntima relação entre o desempenho didático do professor e o desempenho do aluno e, dessa forma, sugere que tais avaliações, mesmo não incidindo diretamente na qualidade docente, indiretamente, afetam-na.

A partir dos pontos até aqui abordados, podemos concluir que o professor universitário não se forma, hoje, para atuar necessariamente em uma universidade, porém, num complexo sistema de ensino superior, que envolve diferentes instituições e tipos de cursos. Mas, mais que isso, além de preparar-se para agir neste meio, para trabalhar com o novo perfil de alunos que chegam ao ensino superior, como também com o novo perfil exigido dos egressos do ensino superior, acreditamos que seja necessário a este professor conhecer esta realidade e saber entendê-la e analisá-la, ou seja, torna-se necessário que o professor desenvolva estratégias que permitam a ele refletir sobre sua docência e o contexto mais amplo no qual ela se acha inserida.

Vimos até aqui destacando o trabalho dos professores universitários em termos da docência (ensino de graduação e pós-graduação) e da realização de atividades de pesquisa (trabalho na pós-graduação, orientação de alunos, condução de pesquisas próprias, publicações, participação em encontros científicos, etc.). No entanto, não podemos reduzir as tarefas dos professores somente a estas duas dimensões. Benedito, Ferrer e Ferreres (1995) ressaltam que a própria docência tem sido vista com excessivo reducionismo ao ser identificada somente com as atividades que os professores realizam quando estão na sala de aula com seus alunos (p. 170).

Os autores apontam que as funções que fazem parte do trabalho do professor universitário são, principalmente, as seguintes: o estudo e a pesquisa; a docência, sua organização e o aperfeiçoamento de ambas; a comunicação de suas investigações; a inovação e a comunicação das inovações pedagógicas; a orientação (tutoria) e a avaliação dos alunos; a participação responsável na seleção de outros professores;

  • a avaliação da docência e da investigação;
  • a participação na gestão acadêmica;
  • o estabelecimento de relações com o mundo do trabalho, da cultura etc.;
  • a promoção de relações e intercâmbio departamental e interuniversitário, e a contribuição para criar um clima de colaboração entre os professores (BENEDITO, FERRER e FERRERES, 1995, p. 119).

Pimenta e Anastasiou (2002, p. 39), por sua vez, lembram que, para além da docência, espera-se dos professores seu envolvimento na administração e gestão em seus departamentos, na universidade, tomando decisões sobre currículos, políticas de pesquisa e financiamento, não apenas no seu âmbito, mas também no âmbito dos sistemas públicos estaduais, do sistema nacional de educação e das instituições científicas de fomento, de políticas de pesquisa, de ensino e de avaliação, aspectos que, de maneira geral, não são contemplados num processo de formação profissional do docente do ensino superior.

3 – Formação do professor do ensino superior: processo que se aprende?

Este artigo se organiza a partir de estudos e pesquisas sobre a docência superior. A reflexão aqui proposta aponta alguns elementos essenciais para a construção das competências necessárias e desejáveis para a atuação docente na universidade. Assim, os achados de pesquisa cujas preocupações envolvem a temática dos desafios contemporâneos, visam formar docentes para atuarem no ensino superior. Os desafios são delineados a partir de duas questões iniciais:

  1. Como se aprende a ser professor?
  2. Como se constrói o conhecimento pedagógico necessário para este aprender?

A primeira questão focaliza a necessidade dos professores tomarem consciência de seus processos formativos, refletindo sobre os mesmos e, ao mesmo tempo estarem cientes de que este é um dos caminhos para aprenderem a ser docentes.

A segunda trata da tessitura de uma rede de interações para a construção do conhecimento pedagógico compartilhado, possibilitando, através do diálogo, a reflexão sobre idéias, opiniões e contradições, oriundas deste processo interativo e mediacional, permitindo a produção de um “novo” conhecimento pedagógico. A partir dessas discussões, apontamos para a importância da construção de uma rede de mediações capaz de propiciar a formação de professores vista como um espaço interdisciplinar de compartilhamento pedagógico e epistemológico, para o qual convergem os saberes da docência, a integração e a troca de experiências, necessárias a essa formação. Neste sentido, as questões trabalhadas neste artigo trazem aportes à pedagogia universitária, entendendo-a para além de práticas convencionais, reafirmando-se, assim, a pertinência da reflexão: ser professor do ensino superior é um processo que se aprende?

4 – Mudanças no mundo comtemporâneo e seu reflexo no ensino superior

Até aqui, analisamos um pouco das mudanças que vêm se processando no contexto que podemos chamar de “intrínseco” ao ensino superior. No entanto, as modificações não se processam isoladamente do contexto social, político e econômico mais amplo no qual as IES se acham envolvidas.

As mudanças que vêm ocorrendo no mundo contemporâneo, assim como das mudanças nos campos das diversas ciências, inclusive da educação levam, elas também à necessidade de se repensar a formação atualmente oferecida aos futuros professores universitários e mesmo àqueles que já exercem suas funções.

Temos hoje configurado um processo de mudanças no contexto global no qual se inserem as instituições de ensino superior, mudanças relacionadas, em especial, ao avanço científico-tecnológico, a alterações na organização do trabalho (processo produtivo), à sociedade de informação, aos processos de globalização da economia e a alterações na relação dos sujeitos com o conhecimento (MORAES, 1997; RIBEIRO JÚNIOR, 2002). Tais mudanças acabam por afetar, direta ou indiretamente, a organização das IES, assim como o trabalho realizado em seu interior.

Em complementação às alterações e aos questionamentos suscitados pelas mudanças decorrentes da “nova ordem mundial” e dos avanços tecnológicos, as instituições de ensino superior encontram-se imersas em um outro processo de mudanças, não desvinculado dos outros dois.

Como apontado por diversos autores (Santos, 1997; Kuhn, 1991; Pimentel, 1993; Cunha, 1998; Leite et al., 1998; Pereira, 2002, entre outros), vivemos um período de transição em que crenças absolutistas e de neutralidade da ciência, assim como de diversos pressupostos da modernidade, que vigoraram como verdades absolutas durante muito tempo, passam a ser questionados.

As “verdades” passam a ser vistas como sínteses provisórias, o saber é historicizado e relativizado e a divisão entre disciplinas estanques é questionada. A confiança do homem na razão é abalada e, conseqüentemente, todo o trabalho realizado dentro das instituições universitárias.

A reestruturação na forma como se concebe o saber, a influência dos aspectos tecnológicos e toda uma reestruturação na organização social clamam, portanto, por mudanças na estruturação e nos objetivos do ensino superior, eminentemente marcados pelo paradigma moderno.

Conseqüentemente, o trabalho a ser realizado pelo professor universitário sofre também alterações. Torna-se necessário ao professor pensar numa nova forma de ensinar e aprender que inclua a ousadia de “inovar as práticas de sala de aula, de trilhar caminhos inseguros, expondo-se e correndo riscos, não se apegando ao poder docente, com medo de dividi-lo com os alunos e também de desvencilhar-se da racionalidade única”, pondo em ação outras habilidades que não apenas as cognitivas. Torna-se necessário, ainda, que os professores passem a pensar-se como “participantes do desvelamento do mundo e da construção de regras para viver com mais sabedoria e mais prazer” (CASTANHO, 2000, p. 87).

Não se pode mais entender o professor como “detentor do saber”, nem o ensino como transmissão de um conhecimento pronto e acabado. O modelo pelo qual se pautava a organização do ensino superior não dá mais conta da complexidade do momento que vivenciamos e é constantemente impulsionado a mudanças. Neste contexto, professores e alunos passam a construir conjunta e continuamente o conhecimento, embasados nas teorias e na revisão constante destas, nos questionamentos e nas leituras da realidade e do presente histórico (PEREIRA, 2002, p. 42).

A indissociabilidade ensino-pesquisa, a perspectiva de produção de conhecimento e a autonomia de pensamento, o incentivo à criticidade e à criatividade, a flexibilização de espaços, tempos e modos de aprendizagem, a emergência da interdisciplinaridade, a necessidade de integração teoria e prática, a necessidade de separação de dicotomias (teoria/prática, forma/conteúdo entre outras), a necessidade de domínio de novas habilidades decorrentes de avanços tecnológicos (como uso de realidade virtual), o resgate da ética, a incorporação da afetividade, a ênfase ao posicionamento político do professor e a centralização do processo educativo na aprendizagem do aluno, entre outros fatores que aqui poderíamos enumerar, alteram profundamente o perfil necessário ao professor numa instituição de ensino superior e nos chamam a atenção para a necessidade de que estes professores, ou futuros professores, estejam conscientes desses processos nos quais se acham envolvidos.

Percebemos, portanto, que as características necessárias aos professores universitários hoje, extrapolam – e muito – os limites do conhecimento aprofundado da matéria de sua especialização e a aquisição de habilidades necessárias à condução de pesquisas, e seguem-se a dimensões muito mais amplas, que nos levam a argumentar em favor da importância da formação pedagógica do professor universitário.

5 – Processos de aprimoramentos

  1. O problema e seu encaminhamento
  2. Este texto retoma e sintetiza algumas das idéias acerca da formação docente na universidade. Assim, tendo em vista as questões colocadas sobre a formação dos professores do ensino superior, torna-se necessário refletir sobre como se aprende a ser docente nesse nível de ensino. A reflexão, aqui proposta, aponta alguns elementos essenciais para a construção das competências necessárias e desejáveis para a atuação docente na universidade. As questões daí decorrentes voltam-se para o entendimento de:

    1. como estes sujeitos se formam como professores?
    2. qual o processo de aprender a ser professor?
    3. como se constrói o conhecimento pedagógico compartilhado na docência superior?
    4. qual a importância de uma rede de interações nesse processo?

    Os fios teóricos constituem-se a partir de conceitos como: trajetórias de formação, concepções de docência, processos de aprender a ser professor, conhecimento pedagógico compartilhado e rede de interações e mediações em constante consonância com as conceituações relativas a como se constrói o conhecimento pedagógico necessário para este aprender.

  3. Nos caminhos da docência: tecendo os fios
    • a não valorização de uma preparação específica para função de professor é explicitada mesmo quando eles são conscientes de seu papel profissional;
    • a consciência da responsabilidade pela formação de futuros profissionais, bem como do compromisso com a cultura acadêmica, embora existentes, não são levados em conta na formação docente, uma vez que a progressão na carreira estão calcadas na titulação e na produção científica, enfatizando a área de conhecimento específico e a função de ser pesquisador, o que parece não garantir um ensino de qualidade e o conhecimento de ser professor;
    • a carência de um espaço institucional, voltado para a construção de uma identidade coletiva de ser professor, no qual o compartilhar de experiências, dúvidas e auxílio mútuo favoreçam a construção do conhecimento pedagógico compartilhado constituindo-se em fator preponderante na construção do papel de docente;
    • a conseqüência de falta de espaços dessa natureza é um sentimento de solidão pedagógica, uma vez que o espaço departamental, orientado prioritariamente para o gerenciamento administrativo de disciplinas e professores inviabiliza, muitas vezes, a construção conjunta de estratégias educativas.
    • a valorização da formação como meio de propiciar um caminho de qualificação do trabalho docente, implica a possibilidade de aproximar as teorias apropriadas da prática exercida.
    • a consciência de que a apropriação de uma teoria produz um novo nível de compreensão que corresponde a uma transformação da prática, mesmo que isso ocorra prospectivamente.
    • a possibilidade de continuar aprendendo e melhorando a abordagem didático-pedagógica utilizada favorece a visão otimista que estes sujeitos têm de sua profissão e, conseqüentemente, de si mesmos, ressaltando que os docentes, apesar de ainda não terem transformado efetivamente suas práticas, demonstram a possibilidade de fazê-lo, evidenciando, assim, a busca de uma postura reflexiva.
    • a construção do conhecimento pedagógico compartilhado pressupõe a constituição de uma rede de interações e mediações capaz de potencializar o processo reflexivo docente.

    O que os docentes pensam sobre ensinar e aprender está relacionado às suas experiências e a sua formação profissional, o que exige que pensemos sobre quem ensina e quem aprende no processo de formação.

    As crenças e concepções teóricas implícitas que os professores têm acerca de seu fazer pedagógico podem sinalizar a maneira como eles processam as informações e como percebem as formas de intervenção didática, como marco de referência para sua prática, construindo seu conhecimento pedagógico de forma compartilhada.

    Esse conhecimento pedagógico é um conceito base, por tratar-se de um conhecimento amplo, implicando no domínio do saber fazer (estratégias pedagógicas) e do saber teórico e conceitual e suas relações.

    Nesse sentido, compreender o processo de construção de conhecimento pedagógico compartilhado é tão fundamental, quanto compreender o aprender a aprender, o que equivale a ser capaz de realizar aprendizagens, em diferentes situações e contextos que favoreçam a aquisição de estratégias cognitivas, considerando-se as condições individuais de cada sujeito na sua interação com pares. Esse processo implica em trocas cognitivas e socioculturais entre ensinantes/aprendentes, sendo possível destacarem-se condições a serem levadas em conta pelos professores, ao longo de suas trajetórias de formação.

    A primeira aponta para a necessidade dos professores, além de considerarem seus domínios específicos, investirem na dimensão pedagógica da docência, sendo que esta envolve atividades e valores traduzidos em:

    1. sensibilidade frente ao aluno;
    2. valorização dos saberes da experiência;
    3. ênfase nas relações interpessoais;
    4. aprendizagem compartilhada;
    5. integração teoria/prática;
    6. o ensinar enfocado a partir do processo de aprender do aluno, tudo isso voltado para o desenvolvimento do aluno como pessoa e profissional.

    A segunda indica a importância da transposição didática na prática educativa do professor, contudo, a organização departamental das Instituições de Ensino Superior, especialmente as das federais, pode dificultar esta intenção, na medida em que um mesmo professor desenvolve a mesma disciplina para diferentes cursos, para os quais não tem formação específica.

    A terceira refere-se à necessidade dos professores considerarem a especificidade própria à educação superior, compreendendo seu estatuto epistemológico e metodológico que é qualitativamente diferente daquele da educação básica. A universidade tem sua própria cultura epistemológica - sua própria maneira de compreender e manifestar a teoria assumida em ação - que pressupõe um conjunto de procedimentos básicos, identificados através das regras educacionais que têm funções, tanto sociais, quanto cognitivas. Essas regras representam o conjunto de convenções acadêmicas e envolvem a normatização do conhecimento científico, através da definição da rotina das aulas/procedimentos, da organização da sala de aula, da listagem de conteúdos, dos tipos de avaliação, compondo o processo de formação. Assim, os limites do processo de formação vêm continuamente sendo marcados e redimensionados pela reflexão sobre o saber, o saber-fazer e suas relações.

6– CONSIDERAÇÕES FINAS

O despreparo pedagógico dos professores universitários, também fruto de sua própria formação, pode afetar a formação dos futuros profissionais que necessitam do conhecimento e afeta a todas aquelas pessoas que passam pelo ensino médio sem terem tido a oportunidade de uma formação mínima dos conteúdos básicos. Geralmente os professores universitários se comprometem pouco, muito aquém do necessário, com essa questão da formação dos professores e com a sua auto-formação pedagógica, deixando para um outro grupo, a formação didático-pedagógica de seus alunos que desejam se licenciar e exercer o magistério. Essa formação pode ser bem conduzida, crítica, com bons fundamentos pedagógicos, em contato com as escolas, na forma de pesquisa, tentando superar, nesse processo, o modelo pedagógico que os estudantes mais vivenciaram - transmissão/recepção. Isto, no entanto, não é suficiente, pois na prática profissional, nas salas de aula do ensino médio ou superior, os licenciandos continuarão a desenvolver o ensino do jeito que o vivenciaram e acreditam ter aprendido. Este é, aliás, o argumento usado por muitos docentes universitários: eu aprendi assim, por que haveria de ser diferente com o meu aluno?

O professor, em interação com os seus alunos e com base nos conhecimentos já estabelecidos pelas diversas ciências, pode efetivamente produzir, criar e recriar conhecimentos próprios da atividade discente e docente. Isto é muito mais do que exercer o magistério pensado como função de transmissão e recepção de conhecimentos prontos e acabados. Admite-se hoje que o conhecimento constitui a mente e o pensamento dos sujeitos em um processo continuado e permanente. Isso possibilita que cada membro da sociedade participe com responsabilidade na criação/recriação de seu meio, modificando e retificando decisões tomadas equivocadamente. A mente do sujeito nunca está pronta, é elástica, pode modificar-se constantemente na interação social e cultural.

7 – Referências

  • MARCELO GARCÍA, Carlos. Formação de Professores: para uma mudança educativa. Porto, Portugal: Porto Ed., 1999 (edição original Formación del Profesorado para el cambio educativo, Barcelona, Espanha: EUB, S. L., 1995).
  • MASETTO, Marcos (org.). Docência na Universidade. Campinas, SP: Papirus, 1998.
  • PIMENTA, Selma Garrido; ANASTASIOU, Léa das Graças Camargos. Docência no Ensino Superior. São Paulo: Cortez, 2002. (coleção Docência em Formação v. 1).
  • PIMENTEL, Maria da Glória. O professor em construção. Campinas, SP: Papirus,1993.
  • SAVIANI, Dermeval. A nova lei da educação: trajetória, limites e perspectivas. 4ª ed. Campinas-SP: Autores Associados, 1998.
  • VASCONCELOS, Maria Lúcia M. Carvalho. Contribuindo para a formação de professores universitários: relatos de experiências. In: MASETTO, Marcos (org.). Docência na Universidade. Campinas, SP: Papirus, 1998. p. 77-94.
  • MACEDO, D. V., E. PAULA, B. B. TORRES. Formação pedagógica dos estudantes de pós-graduação. Campinas: Unicamp: São Paulo: USP, 1998. (Trabalho não publicado).

7 – Referências Virtuais

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