Universidades privadas não cumprem legislação de dedicação integral
Segundo reportagem publicada no Jornal Folha de São Paulo, do último dia 12/05, grande parte das universidades privadas brasileiras não cumpre a lei que exige docentes trabalhando em regime de dedicação integral. Os dados são do Censo da Educação Superior 2006 (mais recente) e indicam que menos da metade das escolas privadas (43%) não tem um terço dos docentes em regime integral. A reportagem ressalta ainda que o prazo para adequação à legislação terminou há quatro anos, mas o MEC ainda não descredenciou nenhuma Instituição.Os dados sinalizam o rebaixamento de qualidade que existe dentro de muitas Instituições privadas de ensino e reforçam a necessidade urgente de regulamentação do setor privado no País. A luta da CONTEE contra a mercantilização da educação tem esse objetivo e deixa clara a necessidade de uma posição contundente do poder público e de mobilização social para que as mudanças necessárias sejam implementadas e cumpridas.
O impacto da desregulamentação do setor para o desenvolvimento do país é imensurável e isso existe atenção da sociedade, união dos movimentos sociais e ação dos nossos representantes no parlamento.
O que para a grande imprensa é uma denúncia de significativa proporção é na verdade velha conhecida dos trabalhadores em educação e dos movimentos sindicais. Esta é a dura realidade enfrentada pelos docentes de todo o Brasil, que precisam garantir sua sobrevivência e se desdobrar para manter a qualidade do ensino à revelia das posições adotadas pelas empresas para as quais trabalham.
Veja abaixo a reportagem completa e clique aqui para ter acesso à lista das universidades e seus respectivos percentuais de professores em regime de dedicação integral
Folha de São Paulo, 12 de maio de 2008
Universidade paga não segue lei de professor exclusivo
Só 37 das 86 universidades privadas (43%) cumprem a exigência legal de ter um terço dos docentes trabalhando em regime integral, aponta o Censo da Educação Superior 2006 (mais recente). O prazo para adequação acabou há quatro anos, mas o MEC ainda não descredenciou nenhuma instituição.
A exigência é da Lei de Diretrizes e Bases, de 1996. De acordo com o MEC, as universidades ainda serão reavaliadas. As que não cumprirem a norma podem perder o título de universidade -o que tira delas o direito de ampliar e abrir cursos sem prévia autorização.
O objetivo de ter professores em tempo integral é incentivar a pesquisa e oferecer melhores condições de ensino (com horário remunerado para preparação de aulas e correção de provas, por exemplo).
Nesse regime, a carga horária é de 40 horas semanais, mas somente metade em sala de aula. O professor com dedicação exclusiva custa à instituição mais caro do que um pago por hora, já que este último pode ficar 100% do tempo em sala.
Nas 90 universidades públicas no censo, apenas seis não cumprem a lei -quatro delas cobram mensalidades.
O Enade (exame de alunos do governo federal) sugere que a proporção de docentes com dedicação integral influencia na qualidade. Nas dez instituições com menor proporção, as médias de cada universidade (feitas a partir de todos cursos avaliados) variaram entre 2,5 e 3,3 (escala de 0 a 5). Nas com mais docentes em regime integral, a variação foi de 3,5 a 4,4.
"A presença do professor o tempo todo na universidade e o envolvimento dos estudantes em outras atividades fora da sala de aula fazem diferença na formação", afirma Oscar Hipólito, professor do Instituto de Física da USP (São Carlos) e pesquisador do Instituto Lobo.
Professor da pós-graduação em Educação da PUC-SP, Marcos Masetto afirma que os docentes sem dedicação integral têm dificuldades para se atualizarem e planejar seus cursos.
Legislação
O decreto de 1997 que regulamentou a lei fixou prazos intermediários com metas a serem atingidas e acompanhadas. Previa ainda que o descumprimento resultaria na reclassificação da universidade em centro universitário, instituição com menos autonomia para abrir cursos. Isto, no entanto, nunca foi colocado em prática.
O diretor de Regulação e Supervisão da Educação Superior do MEC, Dirceu Nascimento, afirma que, no momento, o ministério levanta os dados para o recredenciamento das escolas: "Todas serão reavaliadas. Existe a exigência de que a avaliação seja feita ao longo de dez anos. Será exigida a adequação à lei".
O presidente da Associação Brasileira de Universidades Comunitárias e do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras, Gilberto Garcia, afirma que a lei deixa claro que é preciso ter ao menos um terço dos docentes em regime integral. Segundo ele, no entanto, as comissões do MEC que visitam as universidades, em geral, colocam o item apenas como mais um entre outros aspectos a compor a avaliação final.
O presidente do CNE (Conselho Nacional de Educação), Edson Nunes, diz que o artigo da lei é frágil por dar margem a várias interpretações. Para ele, houve descuido do governo, "que criou suas próprias universidades sem produção intelectual e credenciou instituições com base em precária verificação de pesquisa". "Mas não adianta culpar o MEC. Uma lei ruim, que define universidade por operação aritmética, só produz regulação ruim", afirma Nunes.
No ano passado, a pedido do MEC, o CNE enviou parecer, ainda não homologado, sobre a aplicação da lei e com outras sugestões para o setor. A mais rígida era a exigência de mais de cinco programas de pós-graduação stricto sensu, sendo ao menos um de doutorado.
Em 2006, 62% das universidades não cumpririam esse critério. O percentual era de 79% entre privadas, 64% nas estaduais e 28% em federais.
Escolas afirmam que percentuais têm aumentado
Divergência na interpretação da lei, erros de preenchimento e reestruturação em curso foram respostas de oito das dez instituições com menor proporção de docentes integrais – duas delas não se pronunciaram.
O reitor da Universidade Católica do Salvador, José Carlos da Silva, diz que, com recursos escassos, priorizou a qualificação do corpo docente para, depois, ampliar o regime integral, o que está sendo feito agora.
Como ex-presidente do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras, ele cita parecer feito pelos juristas Ives Gandra e Josafá Marinho com entendimento de que as universidades credenciadas antes da Lei de Diretrizes e Bases, de 1996, não estariam sujeitas a ela.
A Universidade Presidente Antônio Carlos diz que o censo computou erroneamente dados de 102 unidades suas que não fazem parte da universidade. Elas seriam faculdades isoladas da mesma mantenedora que não teriam que se adequar a exigência de tempo integral.
O pró-reitor de graduação da Universidade de Mogi das Cruzes, Rubens Guilhemat, reclama de como os dados são colhidos. "O MEC deveria utilizar a carga horária total dos professores, e não o número de docentes. Um que trabalha 40 horas equivale a dois de 20 horas, mas o censo não capta isso."
Guilhemat diz que mais de um terço da folha de pagamento é gasto com atividades fora de sala de aula. "As comissões avaliadoras do MEC já têm aceitado o conceito, chamado de professor-equivalente."
Presidente do conselho de comunicação da Uniban, Eduardo Fonseca, diz que a escola fez um plano de desenvolvimento institucional e está "redimensionando" o quadro, aumentando o número de docentes integrais.
Ele também faz ressalvas ao modo como os dados são colhidos. "Temos muitas atividades em que o professor não deve ter dedicação integral, como cursos tecnológicos. Excluídos estes grupos, atingimos o um terço."
A PUC-Campinas informou que, no final de 2006, aprovou plano de carreira e que aumentou a proporção de professores em regime integral para 19,8%.
A Universidade Cruzeiro do Sul diz que os dados estavam defasados e afirmou ter "cerca de 30% do corpo docente em regime integral e parcial" -mas não informou o percentual somente em tempo integral.
A Universidade Severino Sombra diz que houve erro no preenchimento do censo e que, em vez de um professor integral, a instituição possui 179 (39% do total).
A Universidade da Amazônia afirma que, entre 2006 e 2008, aumentou em 4,9% a proporção de professores em dedicação integral -patamar que está hoje em 14,9%. A instituição diz que pretende chegar ao fixado na lei e que investe em capacitação.
A Associação Nacional das Universidades Particulares não se manifestou.
Docentes não preparam aula e "falam o que dá na telha", diz aluna
Alunos de universidades que não atenderam à meta de professores em dedicação integral apontam algumas dificuldades nas condições de ensino.
Estudante do segundo ano de publicidade da Unisa, Ana Carolina Teles, 20, afirma que somente um de seus professores trabalha exclusivamente lá. "É a única que traz apostilas, apresenta um cronograma. A maioria vem e fala o que dá na telha. Não há uma programação."
Segundo ela, alguns dos docentes dizem que possuem outras atividades e não têm tempo para preparar as aulas.
Já Yuri Alexandre Figueiró, 24, aluno de direito da Uniban, afirma que seus docentes não conseguem atender aos estudantes fora do horário de aula.
Também diz que não é comum os docentes pedirem atividades extraclasse. "Eles vão à faculdade no horário das aulas. São advogados, juízes ou trabalham em órgão público." Apesar de receber pouco atendimento fora do horário, Yuri diz que as aulas são "muito boas".
Docentes
Professores de universidades que não têm contrato de dedicação integral trabalham, em geral, de forma "precária", diz Nelson Bertarello, 51 -ele ganha apenas por aula dada em três escolas do ABC paulista.
"Tem dia em que saio às 20h45 de uma instituição e tenho de estar às 21h10 na outra. Se atendo a um aluno, me atraso. É a realidade da profissão", diz ele, que é diretor do Sinpro-ABC (sindicato dos docentes da rede particular do ABC).
Ele afirma não ser remunerado para preparar aula, atender aluno em dependência ou com trabalho de conclusão de curso. "A gente se esforça, mas sempre falta alguma coisa. A situação é precária", diz.
"Sem o percentual exigido, a universidade não consegue dar conta das suas atividades, principalmente a pesquisa", diz o diretor do Sinpro-SP (sindicato dos professores da rede particular de São Paulo), José Faro. "O professor horista não consegue atender ao aluno mais de perto. Estou surpreso com o número de escolas que não cumpre a lei. O MEC já deveria estar fiscalizando", diz.
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