sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

A solidão do professor universitário

Sou professor universitário. Leciono, em período noturno, a disciplina de Administração de Recursos Humanos em um curso seqüencial da Universidade de Mogi das Cruzes. Estou completando cinco anos de magistério. Neste semestre recém-findo, ao responderem à pergunta “Qual sua avaliação geral do professor da disciplina? ”, pergunta que apresentava as opções “Ótimo”, “Bom”, “Regular”, “Ruim” e “Péssimo”, 40% dos alunos me atribuíram o conceito “Ótimo” e 60%, o conceito “Bom”. Um deles me perguntou por três vezes se eu ia ser seu professor no próximo semestre. Ante a terceira negativa, mostrou-se decepcionado. Outro aluno disse possuir uma amiga que estuda Gestão de Recursos Humanos na Universidade Brás Cubas. Ao compararem os estudos de ambos, chegaram à conclusão de que ele aprendeu e aproveitou muito mais do que ela.

Como cheguei a esse nível de apreciação por parte dos alunos? O que sustenta esses resultados? Trata-se de puro acaso ou é intencional? Existe algo por trás desse desempenho? São questões que procuro responder no texto que segue.

1.

SOFRIMENTO ESCOLAR

Embora tenha estudado em instituições educacionais de boa qualidade e sempre obtido boas notas, durante toda a minha vida escolar eu sofri com os maus professores e com o estilo de ensino que vigorava na época, a chamada escola tradicional. Do primário ao superior, para mim estudar sempre significou conviver com sentimentos de medo, culpa e desalento. Mais recentemente, no curso de mestrado, os sentimentos mudaram mas foram substituídos por outros igualmente negativos: frustração, decepção, raiva e a sensação de ter sido enganado pelo fato de pagar a escola mas não receber o que esperava.

2.

FILOSOFIA DA QUALIDADE NO MAGISTÉRIO

Quando me tornei docente, disse para mim mesmo que eu seria um mestre diferente. Primeiro, por achar que todo professor tem uma obrigação moral para com seus alunos; segundo, porque eu sentiria vergonha se apresentasse desempenho igual ao dos professores que tive depois de criticá-los tanto; e terceiro, porque exijo muito de mim mesmo. Eu queria ser excelente sob todos os aspectos. Concluí que o caminho era melhorar sempre, ou seja, eu tinha que adotar uma filosofia de melhoria contínua, de modo a aumentar sempre o nível de qualidade de meu magistério.

3.

EVOLUÇÃO

Apesar de toda a minha convicção, porém, confesso que, no início, eu era péssimo. Não só minhas aulas eram pesadamente expositivas, como também muitas vezes eu lecionava temas que não eram importantes, deixando de lado aspectos prioritários dos assuntos do programa. Consegui melhorar à custa de muito esforço.

Li algumas dezenas de livros sobre pedagogia e sobre didática. Assim, pude entender algo sobre a eficácia dos diferentes métodos de ensino. Descobri muitas idéias que me pareceram importantes, dentre as quais, só para citar algumas, a aprendizagem pela experiência, a aprendizagem significativa e a aprendizagem por descoberta. Essas noções tiveram influência marcante em minhas estratégias pedagógicas.

4.

ADEUS ÀS AULAS EXPOSITIVAS

Uma das primeiras mudanças que implantei em meus esquemas didáticos foi dar um golpe de morte nas aulas expositivas, por influência do princípio da aprendizagem pela experiência. Segundo esse princípio, o professor não deve expor os conteúdos escolares (matérias) aos alunos de forma pronta e acabada (aula expositiva), mas apresentá-los na forma de questões ou problemas que estimulem os alunos a reconstruir a experiência, isto é, a reconstruir o conhecimento. Foi o que fiz. Eliminei ou reduzi ao mínimo a parte expositiva em quase todos os capítulos do programa. Em alguns deles, a exposição simplesmente foi suprimida. Em outros, foi mantida, mas deixou de ser a atividade inicial da aula. Passei a iniciar os trabalhos com perguntas, exercícios ou leituras que focalizassem aspectos práticos do tema em estudo e criassem nos alunos a necessidade de respostas teóricas que seriam proporcionadas pela parte expositiva. Dessa forma, a parte teórica ficou restrita à discussão posterior das questões e problemas colocados inicialmente. Essa estratégia foi possível porque, para cada um dos capítulos do programa, preparei um texto-base cuja leitura completa os conhecimentos dos alunos, substituindo a exposição.

5.

ABAIXO OS CONCEITOS VAZIOS

Um dos livros que li, sobre aprendizagem significativa, estimulou-me a mudar a maneira de ensinar conceitos. A maneira tradicional consiste em o professor enunciar o conceito e talvez escrevê-lo na lousa, ou, para ficar mais atraente, projetá-lo na tela por meio de uma transparência ou de um slide de PowerPoint. Essa estratégia, que eu também usava, na melhor das hipóteses produz apenas uma aprendizagem mecânica, isto é, o aluno decora o conceito mas não capta seu significado. Descobri que, para haver aprendizagem significativa – que é a aprendizagem com aquisição de significado – existem dois métodos: (1) assimilação de conceito e (2) formação de conceito. Assimilação de conceito é a aquisição de um novo conceito pelo seu relacionamento com aquilo que a pessoa já conhece, enquanto formação de conceito é o processo de aprendizagem de um conceito por meio de uma experiência prática.

Formação de conceito foi o método que eu adotei para ensinar o conceito de avaliação de desempenho. Minha estratégia consiste em propor aos alunos um exercício de avaliação que eles devem fazer sem orientação. Trata-se simplesmente de avaliar o desempenho de um funcionário conhecendo seu desempenho real e o desempenho esperado pela empresa. Feito e corrigido o exercício, dele é “extraído” o conceito por indução (V. o significado da indução no item 6). O conceito recém-adquirido é pleno de significado, pois antes foi “vivido”, foi “experimentado praticamente” pelos alunos.

6.

OS ALUNOS PRODUZEM TEORIAS

Dentro do programa que eu leciono, o capítulo sobre motivação constitui um bom exemplo do processo de melhoria contínua. De início, eu desenvolvia o assunto à moda tradicional: (1) exposição das várias teorias de motivação para o trabalho, (2) exercícios e (3) prova. Muitos alunos se aborreciam durante a exposição e alguns até cochilavam. Promovi logo uma primeira alteração nesse esquema. Adotei uma técnica de motivação para o ensino que é aplicada antes de se começar uma exposição. A técnica consiste em provar aos espectadores que eles não sabem o que pensam que sabem. Para isso, como primeira atividade da aula, passei a propor um exercício que contém uma série de sentenças que descrevem crenças populares a respeito de motivação para o trabalho. Em cada uma delas, os alunos devem assinalar V (verdadeiro) ou F (falso). Na discussão que se segue, cria-se um divertido tumulto e os estudantes ficam surpresos ao saber que todas as sentenças são falsas.

Dois semestres atrás, decidi mudar radicalmente a maneira de lecionar o assunto. Em lugar de expor todas as teorias de motivação, passei a concentrar-me em duas delas apenas: a teoria da expectativa e a teoria da eqüidade (na verdade, teoria da ineqüidade). Também modifiquei a estratégia de ensino, adotando o método da aprendizagem por descoberta.

A essência do método da descoberta consiste em fazer um exercício prático ou uma experiência e, em seguida, utilizar o raciocínio indutivo para construir um conceito, princípio ou teoria a partir da situação particular representada pelo exercício. No método da descoberta o professor não enuncia mecanicamente os conceitos ou teorias. Ele envolve os alunos em situações de aprendizagem que lhes permitam fazer generalizações a partir de casos particulares. A idéia é fazer o aluno descobrir por si mesmo o conhecimento. O que diferencia o método da descoberta de outros métodos didáticos é o uso da indução, que é o processo de generalização de um conhecimento particular.

Para cada uma das duas teorias de motivação mencionadas, eu proponho três exercícios de aplicação da teoria e os resolvo junto com os alunos. Em seguida, por meio de perguntas e respostas, eu procuro induzi-los a enunciar a teoria que representa os casos particulares descritos nos exercícios. Por fim, depois de posta a teoria, eu proponho um quarto exercício, a ser feito por eles, no qual aplicarão a teoria recém-construída a um caso particular (dedução). Tem-se, assim, um método indutivo-dedutivo de ensino de motivação para o trabalho.

Ao mesmo tempo em que adotei o método da descoberta, mudei o conteúdo da prova, de tal forma que ela se tornou mais difícil. A prova é a seguinte: os alunos devem verificar se o sistema de remuneração variável que uma empresa pretende implantar atende às condições da teoria da expectativa e da teoria da eqüidade. A dificuldade da prova provém do fato de que a verificação deve ser feita de forma independente para cada teoria, e os alunos tendem a deixar que a conclusão sobre uma das teorias influencie a conclusão sobre a outra.

Os estudantes têm levado uma surra nessa prova. Neste semestre, as notas variaram de 1,5 a 6,5. Não obstante – e esse é o fenômeno – o capítulo sobre motivação é, de longe, aquele de que os alunos mais gostam. Esse fato indica que a nota obtida na prova não tem necessariamente relação com o gosto pelo assunto que é objeto da prova.

7.

RECORTE DE JORNAL É UM BOM PONTO DE PARTIDA

No capítulo sobre Ética na gestão de pessoas, eu começo a aula usando (1) uma frase que foi proferida pelo diretor de uma grande empresa brasileira e (2) uma notícia de jornal, para discutir a chamada Ética das Virtudes e ilustrar a diferença entre valores morais e não morais. Outro recorte é usado para ensinar, de forma prática, o princípio da ação por dever. A seguir, faço uma rápida exposição sobre o tema e logo passo aos exercícios e casos. Sinto que a parte expositiva fica mais leve quando colocada entre duas partes práticas.

8.

DRAMATIZAÇÃO EM SALA DE AULA

Eis outro exemplo de melhoria contínua. Tudo começou com “A entrevista de ajuda”, título de um livro que trata de terapia não diretiva. Ao folheá-lo e ler sobre o caso de um paciente que se recusava a submeter-se a uma cirurgia, percebi que aquele material poderia ser útil dentro do capítulo de Relacionamento Interpessoal, para dramatizar a discussão do problema “julgamento x compreensão”.

Primeiro, a partir daquele parágrafo, elaborei um texto, para ser lido em classe, cujo objetivo era mostrar que, quando julgamos alguém, bloqueamos a comunicação e perdemos toda capacidade de influenciar o outro. Dois semestres depois, transformei a leitura em um conjunto de diálogos para ser interpretado por três estudantes perante a classe. O problema é que eles não sabiam interpretar e, como conseqüência, o texto perdia força. Ademais, os diálogos já mostravam aos estudantes, de forma pronta e acabada, como deveriam proceder na situação dada, o que lhes tirava toda possibilidade de descoberta. Em suma, aqueles diálogos estavam afastados demais de uma situação real.

Eu continuava insatisfeito, pois queria uma experiência de aprendizagem que auxiliasse os alunos, mesmo que de forma incipiente, a adquirir habilidades interpessoais. Mais dois semestres se passaram e, finalmente, consegui algo mais de acordo com meu objetivo. Eliminei os diálogos e transformei o caso numa situação mais próxima da realidade. Agora, eu desempenho o papel do paciente que não quer se operar, e os estudantes, um de cada vez, têm que sentar com ele (comigo) e tentar convencê-lo do contrário.

9.

UMA PROVA DIFERENTE

Outro exemplo de melhoria contínua é o capítulo de seleção de pessoal. De início, a aula era total e exclusivamente expositiva. Não obstante, sempre pensei que eu deveria concentrar o ensino nas principais atividades exercidas pelos gestores dentro do processo seletivo, que são a entrevista e a decisão final de contratação. Após dois semestres de ensino expositivo, acrescentei um texto, para ser lido em classe, que mostra, primeiro, um exemplo de entrevista errada e, em seguida, o exemplo de uma entrevista certa. Acrescentei também um estudo de caso no qual, em uma empresa, existe uma vaga a ser preenchida e um grupo inicial de candidatos constituído de profissionais que já são funcionários. Os alunos têm que decidir se escolhem um desses candidatos ou se partem para o recrutamento externo. Mais três períodos letivos se passaram, e acrescentei outro texto de leitura a respeito de perfis discriminatórios.

Neste último semestre, criei uma prova diferente para o capítulo, baseada no filme “A Chorus Line”. O filme mostra o processo seletivo de um grupo de dançarinos para um musical. A primeira parte do processo é uma etapa técnica que consiste de testes práticos de dança para todos os candidatos. Ao final dessa etapa, são classificados 16 finalistas, dentre os quais devem ser escolhidos oito candidatos para serem contratados, sendo quatro homens e quatro mulheres. A escolha final é feita com base em entrevistas com todos os finalistas e o critério de escolha, em essência, é o grau de motivação dos candidatos para a dança, isto é, o grau de convicção que eles têm em relação à própria profissão. O que fiz foi (1) passar o vídeo para os alunos até o momento de término das entrevistas, (2) parar o filme e (3) pedir-lhes que fizessem a escolha dos contratados com base nas entrevistas e no critério pré-definido. Para tanto, eu lhes forneci uma folha contendo o nome de cada finalista, a descrição do respectivo vestuário, para que pudessem ser identificados, e um espaço em branco em baixo de cada nome para que cada estudante pudesse fazer anotações que orientassem a escolha final.

Meus próximos objetivos são: 1º) ensinar os alunos a elaborar um roteiro de entrevista a partir dos requisitos ideais do candidato e da análise de um currículo; 2º) criar uma simulação de entrevista para que os alunos possam viver a situação de forma tão real quanto possível.

10.

CORREÇÃO DE FOCO

No capítulo sobre treinamento, a princípio a aula também era exclusivamente expositiva. Ademais, como me baseei, sem maior atenção, no conteúdo dos livros de Administração de Recursos Humanos, o capítulo acabou adquirindo um enfoque que privilegiava a formação de analistas de treinamento.

Tempos depois, eu subitamente percebi o engano, e mudei a ênfase do capítulo para a formação de um instrutor de treinamento, baseado na visão de que qualquer profissional, gestor ou não, pode vir a ser convocado para ministrar cursos a seus colegas.

Essa visão durou pouco, apenas um semestre. Após outro semestre de indecisão, no qual o capítulo ficou sem foco definido, creio ter chegado a uma visão do tema que é mais consentânea com aquilo que se espera dos gestores: o enfoque do gestor orientador (gestor coach) que também tem capacidade de diagnosticar situações de treinamento.

Encontrei na Internet um exercício que propicia uma rica discussão a respeito do papel e do comportamento do gestor na orientação e no desenvolvimento de sua equipe. Por outro lado, um artigo publicado anos atrás na Harvard Business Review me deu a idéia de discutir com os alunos a relação entre o jogo da culpa e o treinamento, ou mais especificamente, entre o jogo da culpa e a aprendizagem, bem como o papel do gestor nessa questão. Como introdução a esse tema, eu apresento para os estudantes um filme curto

11.

CORREÇÃO DA MIOPIA

Outro capítulo terrível era o de remuneração. Além de totalmente expositivo, eu restringia a exposição ao sistema de remuneração funcional e dava todos os detalhes de como elaborar um PCS – Plano de Cargos e Salários, como se o objetivo do curso fosse formar especialistas nessa área. Os exercícios e a prova que eu propunha eram ainda piores, pois focalizavam apenas um dos detalhes da elaboração de um PCS.

Depois de quatro semestres nessa toada, fiz três mudanças: (1) incluí na exposição os sistemas de remuneração por habilidades e de remuneração variável; (2) encurtei a exposição; e (3) incluí no programa a discussão de dois casos de remuneração variável que possibilitaram modernizar o estilo da prova. Mais três semestres se passaram, e outras modificações foram introduzidas: (1) remodelei a exposição, para que a apresentação dos diversos sistemas de remuneração ficasse mais equilibrada; (2) encurtei ainda mais a parte expositiva.

Como, apesar dos meus esforços, os alunos ainda cochilam durante a exposição, decidi eliminá-la. Ela será substituída por um exercício de escolha de sistemas de remuneração para ocupações profissionais variadas. A exposição prévia ficará restrita apenas ao necessário para que os alunos entendam o enunciado do exercício, sendo completada durante a discussão posterior da respectiva solução. Outras informações estarão disponíveis no texto do capítulo.

12.

MOTIVAÇÃO EM AÇÃO

Desde o início do magistério da disciplina de Administração de Recursos Humanos, adotei a prática de aplicar provas abrangendo o conteúdo de cada capítulo, a não ser para os dois capítulos iniciais. Dessa forma, depois de um mês e meio de aula, os alunos passam a ter prova aula sim, aula não. Neste último semestre, porém, suspendi a prova relativa ao capítulo de treinamento, prova que, se estivesse prevista, teria sido realizada na 6ª feira, dia 11 de novembro, véspera do feriado prolongado do dia 15 (3ª feira).

No intervalo da aula do dia 4 de novembro, um dos alunos me procurou, pedindo-me confirmação de que não haveria prova na aula seguinte. “É que eu vou viajar”, disse ele. Esse diálogo não me saiu da cabeça. Mais tarde, no caminho de volta para casa, subitamente “caiu a ficha”. De repente, eu me dei conta de que, no sistema de avaliação que adotei, quando um capítulo não é objeto de prova, esse capítulo se desvaloriza aos olhos dos alunos. Alguns estudantes percebem aquela parte do programa como menos importante do que as demais.

Também me dei conta de que ali, diante de meus olhos, encontrava-se em plena ação uma das teorias de motivação que eu leciono, a Teoria da Fixação de Metas. Explico. Costuma-se criticar o fato de que os alunos estudam apenas para se sair bem na prova. Mas também é verdade que a perspectiva da prova dá um sentido ao esforço dos estudantes e lhes fornece o desafio de um objetivo a ser alcançado, que é o de obter êxito no teste que realizarão. O conceito de motivação está associado precisamente à noção de “esforço”. Dessa forma, a perspectiva da prova motiva os alunos ao estudo, ainda que de forma extrínseca. Conclusão: a prova de treinamento será restabelecida já no próximo semestre.

13.

O VALOR PEDAGÓGICO DO ERRO

Tradicionalmente, o erro é encarado como uma espécie de produto que não passou no teste de qualidade e que, portanto, deve ser descartado, jogado na lata de lixo. Todos fogem do erro como se este fosse uma doença contagiosa. Para mim, porém, o erro tem valor pedagógico. O erro me sinaliza onde existem problemas. Quando os alunos erram, eu não os culpo. O que faço é procurar refletir sobre as causas do erro, tentando descobrir como posso modificar minhas estratégias de ensino para que eles não errem novamente.

14.

PRIORIDADES E PRODUTIVIDADE

Há dois anos, Stephen Kanitz escreveu que os grandes opositores da globalização são os conservadores que desejam que o tempo pare para beneficiá-los. E continuou: “Não é por coincidência que os maiores críticos da globalização são professores que continuam dando as mesmíssimas matérias nos mesmos doze meses de sempre. Reduzir um curso de quatro anos para três, cortando matérias desnecessárias, ensinar melhor e mais rápido sem encher as aulas com lengalenga, nem pensar”.

Essa crítica ficou gravada em minha memória. Como o tempo é curto e o campo da Administração de Recursos Humanos é vasto, tenho feito um esforço contínuo no sentido de revisar as prioridades de ensino. Também tenho me esforçado para descobrir maneiras de ensinar mais e melhor em menos tempo, e para descobrir como aproveitar melhor o tempo disponível. Procuro ser objetivo, cortando a “lengalenga”.

15.

ÍNDICE DE APRENDIZAGEM

A julgar pelas notas dos alunos, calculo que seu índice de aprendizagem está em cerca de 60% do que é lecionado. Para aumentar esse índice, creio que seriam necessários mais exercícios, o que é difícil, dada a escassez de tempo e a amplidão da matéria abordada. Não obstante, talvez com o contínuo aprimoramento dos métodos didáticos os estudantes possam aumentar em certa medida seu grau de assimilação e seu rendimento. Uma de minhas tentativas nesse sentido é tentar fazer com que a prova não seja apenas um instrumento de avaliação mas também de aprendizagem. Para isso, eu dou aos alunos o feedback mais completo possível sobre as avaliações (V. item 16).

16.

ELES TÊM DIREITO À INFORMAÇÃO

Penso que os alunos têm o direito de ser informados sobre como a disciplina será lecionada e de receber um feedback completo sobre seu desempenho. Em consonância com essa idéia, na primeira aula eu distribuo:

  • um texto contendo informações sobre o curso tais como a metodologia de ensino, a metodologia de avaliação de aprendizagem, a freqüência mínima, o método de controle de freqüência e o critério de aprovação;

  • o programa de ensino, que contém o programa da disciplina e a respectiva bibliografia;

  • um calendário de provas e trabalhos.

Além disso, eu também combino com os alunos como será a entrega de material didático, que geralmente se dá por meio de e-mail.

Um ou dois dias depois de cada aula, eu envio uma mensagem aos alunos contendo o seguinte:

  • um relato do que foi lecionado na aula anterior juntamente com os exercícios feitos na aula, acompanhados dos respectivos gabaritos (para os alunos que faltaram);

  • uma cópia do texto e das transparências do capítulo que está em discussão;

  • o programa da aula seguinte.

Depois de cada prova, eu envio aos alunos suas notas, o gabarito da prova e a respectiva correção, para que eles saibam onde erraram e por que obtiveram aquelas notas (aliás, fornecer um explicação sobre as razões das notas fez com que os pedidos de revisão de prova diminuíssem drasticamente). A cada prova, eu também lhes envio o quadro geral de notas, alertando-os para os alunos que perderam a prova e que deverão fazer a substitutiva.

A partir de um certo momento, eu também começo a informar-lhes o nome dos alunos mais faltosos, para que fiquem alertas e não sejam reprovados por freqüência.

17.

JUSTIÇA EM SALA DE AULA

Na primeira aula, eu digo aos alunos o seguinte: se eles não concordarem com alguma decisão minha e eu não quiser rever a decisão, eles poderão apelar ao gestor do curso sem medo de retaliação. Digo-lhes que esse é um direito deles, e que se eles recorrerem ao gestor eu não tomarei esse gesto como algo pessoal contra mim e, portanto, não me sentirei desafiado nem desautorizado e não ficarei aborrecido. Explico-lhes que eu reconheço não ser infalível e que sei que posso errar; e que se o gestor decidir que eu devo mudar uma decisão minha eu o farei com absoluta tranqüilidade e que isso não mudará em nada minha relação com eles. Sinto que os alunos, em geral, não acreditam nessa preleção, pois estão acostumados com professores autoritários. Mas neste semestre, um deles pôde comprovar que falo sério.

Os alunos tinham que fazer a apresentação de um trabalho perante a classe. Na aula anterior, eu lhes tinha dito que cada grupo teria o prazo de trinta minutos para fazer a apresentação. No início da semana, recebi uma mensagem do representante de um dos grupos, que me pedia mais tempo para poder fazer uma boa apresentação. Respondi negando o pedido e explicando-lhe detalhadamente as razões da recusa. Ele não se conformou e me mandou nova mensagem, insistindo no pedido. Novamente eu recusei e acrescentei novos motivos para a recusa. Ao perceber, porém, pelos termos da mensagem, que ele estava aborrecido e inconformado com minha decisão, eu lhe disse que submeteria o caso ao gestor do curso, o que de fato fiz. Na aula seguinte ele me procurou para se desculpar. Percebi que ele estava receoso porque pensou que eu remeti o assunto ao gestor por ter ficado aborrecido com seu inconformismo. Expliquei-lhe que não fiquei absolutamente aborrecido e, para que ele se convencesse disso, recordei-lhe meu discurso da primeira aula.

18.

QUEM TEM MEDO DE FEEDBACK?

Há cerca de dois anos, recebi do gestor do curso um questionário para preencher. Era minha auto-avaliação de desempenho. Ao mesmo tempo em que devolvia o documento preenchido, eu pensei que aquele instrumento seria muito mais útil e revelador se fosse respondido pelos alunos. Fiz então algumas modificações no questionário e passei a distribuí-lo aos estudantes na última aula do semestre.

O documento tem cerca de 30 perguntas de múltipla escolha, das quais 80% referem-se ao desempenho do professor e os restantes 20% tentam avaliar os efeitos desse desempenho sobre os alunos. Há também um espaço para comentários.

Tenho interesse em que os alunos façam comentários sobre meus pontos fortes, mas tenho interesse maior em que eles expliquem o que fiz de errado. Não é fácil, porém, conseguir informações precisas, pois os estudantes muitas vezes são lacônicos nos comentários ou simplesmente silenciam.

As perguntas mais importantes do questionário são três, situadas no final do documento:

“Qual sua avaliação geral do professor da disciplina?”

A ela já me referi no início deste artigo.

“Qual seu grau de interesse atual pelo assunto “administração de recursos humanos”?”

Esta questão possui as seguintes alternativas: “muito menor que no início do semestre”, “menor que no início do semestre”, “igual ao do início do semestre”, “maior que no início do semestre” e “muito maior que no início do semestre”. Sua importância decorre do fato de que procura medir a atitude do aluno em relação à disciplina lecionada. Administração de Recursos Humanos é uma disciplina com duração de apenas um semestre. Por essa razão, o que os estudantes adquirem é, na melhor das hipóteses, uma visão geral, sendo importante que continuem a estudar RH para se aprofundar. Eles só o farão, porém, se a isso se sentirem estimulados. Se os estudantes responderem à pergunta assinalando “maior que no início do semestre” ou “muito maior que no início do semestre”, isto significará que o estudo de RH constituiu uma experiência agradável e que eles tenderão a manter contato com esse campo de conhecimento. A esse respeito, as respostas obtidas no questionário indicam que a atitude dos alunos em relação à disciplina está relacionada com sua avaliação sobre o professor. Isto significa que o desempenho do professor influencia o gosto dos estudantes pelo assunto que está sendo lecionado. Neste último período letivo, 52% dos alunos responderam “maior que no início do semestre”, 27%, “muito maior que no início do semestre” e 18%, “igual ao do início do semestre”. Os restantes não responderam.

“Se esta disciplina de Administração de Recursos Humanos fosse oferecida como um curso separado, você recomendaria o curso a seus colegas?”

Esta pergunta representa o teste definitivo sobre como foi a experiência do aluno com a disciplina. As alternativas são “sim”, “não” e “talvez”. Para responder “sim”, o aluno tem que estar convicto a respeito da qualidade do ensino que recebeu. Neste semestre, 79% dos alunos responderam “sim”, 18%, “talvez”, e 3%, “não”.

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