A Formação do Professor Universitário: Um Convite à Reflexão Teresa Regina Araújo
A FORMAÇÃO DO PROFESSOR UNIVERSITÁRIO:
UM CONVITE À REFLEXÃO
Teresa Regina Araújo*
Historicamente, os cursos superiores no Brasil ocorreram a partir de 1808, quando o rei e a corte portuguesa transferiram-se de Portugal para o Brasil, antes disso, os brasileiros que se interessavam por cursar universidades faziam-no em Portugal ou em outros países europeus.
Havia uma preocupação muito grande da Coroa em relação à formação intelectual e política da elite brasileira, que procurava de todas as formas manter o Brasil como colônia, evitando quaisquer possibilidades de desenvolvimento de idéias de independência.
No entanto, com a transferência da corte portuguesa para o Brasil e a interrupção das comunicações com a Europa, surgiu a necessidade de formação de profissionais que atendessem a essa nova situação e, por conseguinte, a exigência de criação de cursos superiores que se responsabilizassem por essa formação.
Na década de 1820, criaram-se as primeiras Escolas Régias superiores: a de direito em Olinda, estado de Pernambuco; a de medicina em São Salvador, na Bahia; e a de engenharia, no rio de Janeiro. Outros cursos foram criados posteriormente como os de agronomia, química, desenho técnico, economia política e arquitetura.
Agora cabe a pergunta: Como era a formação dos professores universitários? As pessoas eram formadas pelas universidades européias, como dissemos acima; mas, logo depois, com o crescimento e a expansão dos cursos superiores, o corpo docente precisou ser ampliado com profissionais das diferentes áreas de conhecimento. Ou seja, os cursos superiores ou faculdades procuravam profissionais renomados, com sucesso em suas atividades profissionais para ingressarem nos quadros das universidades.
Até a década de 1970, embora já estivessem em funcionamento inúmeras universidades brasileiras e a pesquisa já fosse um investimento em ação, praticamente exigia-se do candidato a professor de ensino superior o bacharelado e o exercício competente de sua profissão. Donde a presença significativa desses profissionais compondo os corpos docentes de nossas faculdades e universidades.
Esta situação se fundamenta em uma crença inquestionável até bem pouco tempo, vivida tanto pela instituição que convidava o profissional a ser professor, quanto pela pessoa convidada ao aceitar o convite: quem sabe fazer, automaticamente, sabe ensinar. Mesmo porque ensinar significava ministrar grandes aulas expositivas ou palestras sobre um determinado assunto dominado pelo conferencista, mostrar, na prática, como se fazia; e isso um bom profissional saberia fazer.
Os professores começaram a refletir e conscientizar de que a docência, como a pesquisa e o exercício de qualquer profissão, exige capacitação própria e específica. O exercício docente no ensino superior exige competências específicas, que não se restringem a ter um diploma de bacharel, ou mesmo de mestre ou doutor, ou, ainda, apenas o exercício de uma profissão. Exige isso tudo, além de outras competências próprias. Sobre essas competências, pretendo tecer algumas considerações.
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Colocar a aprendizagem na prática como objetivo central da formação dos alunos significa iniciar pela alteração da pergunta que fazemos regularmente quando vamos preparar nossas aulas – o que devo ensinar aos meus alunos? – por outra mais coerente – o que meus alunos precisam aprender para se tornarem cidadãos profissionais competentes numa sociedade contemporânea?
“Ensinar não é, pois, encher a mente dos indivíduos com as últimas novidades da ciência e da tecnologia, transformando-os em assimiladores e consumidores de idéias, valores, normas e padrões de comportamento dominantes na sociedade, nem mesmo ordenar e sistematizar sua experiência, corrigir suas idéias equivocadas, distribuir com justiça o que vem sendo apropriado por poucos. Mais do que exercer uma perícia técnica específica, é necessariamente convidar os jovens à reflexão, ajudá-los a pensar o mundo físico e social, as práticas e saberes específicos, com o rigor e a profundidade compatíveis com o momento em que vivem”. (Coêlho,1996:40)
Se fizermos essa pequena experiência em nosso trabalho docente, veremos as implicações e as modificações que resultarão, de imediato, em nossas práticas pedagógicas.
Portanto, a docência no ensino superior exige não apenas um domínio de conhecimentos a serem transmitidos por um professor como também um profissionalismo semelhante àquele exigido para o exercício de qualquer profissão. A docência nas universidades e faculdades isoladas precisa ser encarada de forma profissional e não amadoristicamente.
Com a consciência crítica de que o processo de aprendizagem é o objetivo central dos cursos de graduação, a própria maneira de conceber a formação do profissional também passou por uma transformação.
Encontram-se exercendo função docenteno ensino superior quatro grupos de professores:
a) Os profissionais de várias áreas do conhecimento que se dedicam à docência em tempo integral;
b) Os profissionais que atuam no mercado de trabalho específico e se dedicam ao magistério algumas horas por semana;
c) Os profissionais docentes da área pedagógica e das licenciaturas que atuam na universidade e, paralelamente, no ensino básico (educação infantil, ensino fundamental e/ou ensino médio);
d) Os profissionais da área da educação e das licenciaturas que atuam em tempo integral na universidade.
À primeira vista, essa classificação parece ser uma caracterização do corpo docente quase todas as universidades, por isso, acredita-se na pertinência de comentar as qualidades e as dificuldades que trazem cada um destes grupos para a formação dos acadêmicos.
No primeiro grupo, encontram-se profissionais de variadas áreas do conhecimento e que se dedicam integralmente à docência. A esse grupo caberia indagar: como você ensina o que não vivencia em sua prática diária?
Sem desmerecer essa grande massa de professores que estão envolvidos com sala de
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aula e pesquisa nas universidades, um ponto de reflexão a ser discutido seria: como esse professor seleciona conteúdos a serrem trabalhados com os alunos e a significação desses referenciais na formação de acadêmicos?
Cabe enfatizar que existem docentes que ensinam o que nunca experimentaram e, nesse caso, não se coloca em questão a competência do professor, mas a pertinência da proposta a ser desenvolvida com os aluno. Esse fato se torna desafiador quando o docente está distante do mercado de trabalho e não está habituado a fazer leitura especializada, que traga a produção de conhecimento moderno na área em que atua no curso.
A opção pela programação a ser desenvolvida com os estudantes corre o risco de não atender as exigências que o mercado de trabalho vem impondo aos profissionais. Se o professor não atua de modo definitivo no mercado de trabalho específico, como se aproximar das necessidades que os alunos vão encontrar como profissionais dessa área?
Em contrapartida, os professores desse grupo constituem o corpo docente com jornadas de 30 e 40 horas semanais nas universidades e apresentam um envolvimento mais efetivo com os alunos, com seus pares, com o departamento e a instituição. Inclui-se nas qualidades desse grupo serem os responsáveis pela maioria das publicações científicas utilizadas no meio acadêmico.
Agrava-se a situação quando o professor não tem nenhuma formação pedagógica. Sua ação docente, normalmente, reflete e reproduz a proposta dos professores que atuaram em sua formação. Em alguns casos, superam as dificuldades e tornam-se autodidatas em virtude do interesse e do entusiasmo que os envolve na docência.
No segundo grupo, encontram-se os profissionais liberais que atuam no mercado de trabalho específico do curso em que lecionam. Nesse caso, dedicam algumas horas ao magistério universitário. São profissionais que se apresentam na comunidade, por exemplo, como médicos renomados, advogados conceituados no mundo jurídico, empresários bem sucedidos, enfermeiros respeitados, dentre outros, optam pela docência paralela a sua função de profissionais liberais.
Sua dedicação ao magistério restringe-se há poucas horas por semana e suas jornadas não permitem um envolvimento com os alunos, os companheiros que lecionam no curso, o departamento e a própria instituição. Nesse grupo de profissionais que atuam na docência, o destaque da contribuição assenta-se exatamente na preciosidade das experiências vivenciadas em sua área de atuação. Como profissionais em exercício, contaminam os alunos com os desafios e as exigências do mundo mercadológico. Trazem a realidade para a sala de aula e contribuem significativamente na formação dos acadêmicos.
Aliada a essa realidade, grande parte (senão a totalidade) desses docentes nunca esteve em contato com uma formação pedagógica que atendesse a esse papel de professor, a menos que ele se predispusessem a se preparar pedagogicamente em serviço quando se deparam com situações desafiadoras em sala de aula.
No terceiro grupo, encontram-se os profissionais docentes da área de educação, envolvidos com os curso de pedagogia e licenciaturas, que atuam na universidade e, paralelamente, dedicam-se ao magistério nos diferentes níveis de ensino. Acumulam jornadas grandes de trabalho docente na universidade e ainda se dedicam a exercer função docente na educação infantil, no ensino fundamental ou no ensino médio.
Esse fato oportuniza uma vivencia efetiva no magistério e possibilita compartilhar com os acadêmicos a realidade cotidiana nos diferentes níveis de ensino. A jornada dupla (dentro e fora
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da universidade) exige do professor dedicação integral ao trabalho. Muitas vezes, cansativa, mal remunerada e que desafia o professor a ficar como um timoneiro navegando de lugar em lugar durante toda a semana. O volume de trabalho ocasionado por essa opção torna-se desafiador e questionador da qualidade a ser oferecida aos alunos sob sua responsabilidade.
O quarto e último grupo envolve os profissionais da área da educação e das licenciaturas que se dedicam em tempo integral ao ensino na universidade. Aparentemente, seria uma situação ideal para o preparo e a formação de professores para atuar no mercado de trabalho. Com tempo integral de dedicação ao magistério de ensino superior, dedicam-se a orientar licenciados e especialistas para atuar nas escolas. Aqui cabe a mesma indagação: como trocar experiências e refletir sobre uma ação docente no nível de ensino em que o professor ou o especialista nunca atuou?
Alguns pedagogos, professores universitários, nunca exerceram as funções que apresentam aos seus alunos. Falam em teoria sobre uma prática que nunca experienciaram. Esse fato pode trazer alguns riscos para a formação dos alunos, pois a proposta metodológica que o docente apresenta é fundamentada na teoria e, muitas vezes, desvinculada da realidade, embora possa ser assentada em paradigmas inovadoras na educação.
Colocar essas questões para reflexão demonstra o impasse que as universidades têm encontrado para compor seu corpo docente. Caberia indagar: Para atuar na docência deve-se optar pelo professor profissional ou pelo profissional professor?
A preocupação essencial não seria optar por um grupo, mas buscar compor o quadro docente com profissionais de todos os grupos citados, garantindo a diversidade e a riqueza de todos os profissionais envolvidos. O universo de conhecimento mesclado por representantes de todos estes grupos enriquece a oferta dos currículos dos cursos.
O alerta que se impõe, neste momento histórico, é o de que o professor profissional ou o profissional liberal professor das mais variadas áreas do conhecimento, ao optar pela docência no ensino universitário, precisam ter consciência de que, ao adentrar a sala de aula, seu papel essencial é ser professor.
Segundo Gil (1997), os desafios na busca da profissionalização do professor passam, primeiro, pela qualificação pedagógica. Não se trata de oferecer só cursos esporádicos sobre planejamento, avaliação e outros assuntos referentes à ação docente.
O processo para tornar o professor reflexivo sobre sua própria prática pedagógica demanda projetos que envolvam os docentes em encontros contínuos é aproximar os professores de metodologias inovadoras, que tenham possibilidade de discutir sobre elas, possam aplica-las e ter com seus pares momentos de avaliação sobre as novas experiências realizadas. A qualificação pedagógica dos professores universitários deve levar em consideração alguns pressupostos essenciais nesse processo:
• O professor precisa ser crítico, reflexivo, pesquisador, criativo, inovador, questionador, articulador, interdisciplinar e saber praticar efetivamente as teorias que propõe a seus alunos.
• O professor prepara o aluno para ser pesquisador por excelência, um acadêmico curioso, criativo e reflexivo. Ao buscar a inovação, questionar suas ações, ser crítico e criar o hábito da leitura das informações seja pelos livros, seja por acesso aos meios informatizados. Que ao encontrar a informação, seja capaz de
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analisa-la, criticá-la, refletir sobre ela e ter competência de elaboração própria com os referenciais pesquisados. Precisa saber elaborar projetos criativos e ter habilidade para defendê-los.
• A metodologia, a opção metodológica, precisa vir assentada em novos pressupostos, que, parecem indicar forte tendência para uma abordagem progressista (com relações dialógicas, trabalho coletivo, discussões críticas e reflexivas) aliada ao ensino com pesquisa (visando à investigação para a produção de conhecimento), que contemple uma visão holística (resgate o ser humano como um todo, considere o homem em suas inteligências múltiplas, leve à formação de um profissional humano, ético e competente), alicerçada numa tecnologia inovadora (com utilização de recursos informatizados e bibliográficos inovadores).
Com as exigências do mundo moderno, o aluno também precisa alterar profundamente o seu papel. O jovem que vem freqüentando o ensino em todos os graus como espectador, como copiador de receitas, como repetidor de informações, e que tem
alicerçado sua participação em sala de aula com atitudes desacomodar desse papel passivo para se tornar ator do seu próprio processo educativo.
O profissional precisa ter competência para ser autônomo na produção de conhecimentos e acessível para coletiviza-los em grupos. Saber criar seus projetos, vender
suas idéias, ser perspicaz, ativo e envolvente.
Com raras exceções, acredita-se que os meios educacionais estão distanciados de atingir esses desafios . Cabe aos gestores das instituições de ensino superior, e em especial aos pedagogos, oferecer uma formação continuada aos professores, uma formação que os aproxime dos paradigmas inovadores, que funcione como elemento articulador de novas práticas pedagógicas que instiguem os alunos a se tornarem talentosos, éticos e produtivos.
A reflexão crítica e sua adaptação ao novo de forma criteriosa são fundamentais para o professor compreender como se pratica e como se vive a cidadania nos tempos atuais, buscando formas de inserir esses aspectos em suas aulas, tratando dos diversos temas, selecionando textos de leitura, escolhendo estratégias que, ao mesmo tempo, permitam ao aluno adquirir informações, reconstruir seu conhecimento, debater aspectos cidadãos que envolvam o assunto, e manifestar opiniões a respeito. Conciliar o técnico com o ético na vida profissional é fundamental para o professor e para o aluno.
Em resumo, não podemos nos esquecer de que a universidade enquanto uma prestadora de serviços, e acima de tudo um componente muito importante da sociedade, têm que se submeter às exigências do mercado de trabalho, uma vez que ela, como instituição educadora, tem seus próprios objetivos e autonomia para encaminhá-los. Nem por isso, porém, ela poderá se fechar em si mesma e, dessa posição, definir o que seja melhor para a formação de um profissional de hoje e para os próximos anos.
As universidades terão que se alertar para tudo que se passa na sociedade contemporânea, analisar seus objetivos educacionais e, então, encaminhar propostas que façam sentido para os tempos atuais. Os alunos precisam de discutir com seus professores os aspectos políticos de sua profissão e de seu exercício nesta sociedade, para nela saberem se posicionar como cidadãos e profissionais.
* Teresa Regina Araújo
A Formação do Professor Universitário: Um Convite à Reflexão Teresa Regina Araújo
Professora do Departamento de Pedagogia do Centro de Ensino Superior de Catalão
A Formação do Professor Universitário: Um Convite à Reflexão Teresa Regina Araújo
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GIL, Antonio Carlos. Metodologia do Ensino Superior. 3ª edição. São Paulo: Atlas, 1997.
COÊLHO, Ildeu Moreira. Formação do Educador: Dever do Estado, tarefa da Universidade. In:BICUDO, Maria Aparecida Viggiani; SILVA JÚNIOR, Celestino Alves da(Org.) Formação do Educador: Dever do Estado, tarefa da Universidade. São Paulo:Unesp, 1996. v.1.
sexta-feira, 23 de janeiro de 2009
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